Artigo de Luciano Mendes de Faria Filho publicado no Estado de Minas de hoje (24).
Recentemente o Estado de Minas publicou matéria noticiando que famílias de classe média faziam fila para matricular seus filhos nas unidades municipais de educação infantil de Belo Horizonte. O teor da matéria denunciava, por si só, o quão inusitada parecia aquela situação. Do mesmo modo, os cadernos de economia e política de praticamente todos os grandes jornais brasileiros têm dado ampla cobertura à emergência das chamadas novas classes médias na cena política, cultural e econômica brasileira. Estariam as camadas médias reivindicando, novamente, o seu direito a uma escola pública de qualidade? Estaríamos, agora, novamente diante da defesa de uma escola pública para todos e não apenas para os filhos dos outros?
Normalmente, no Brasil, as chamadas novas classes médias são definidas a partir de seu perfil econômico – salário e consumo -, razão pela qual sociólogos como Jessé de Souza têm se posicionado contra essa denominação, tanto por sua insuficiência quanto por sua inadequação. Estaríamos, segundo eles, diante de uma nova classe trabalhadora (os batalhadores do Brasil, na afirmação de Jessé de Souza), com melhores salários e mais escolarizada, por exemplo, mas política e culturalmente distante das tradicionais classes médias. Ou seja, importa frisar que a emergência dessa classe trabalhadora é fruto muito mais da melhoria da renda do que de uma transformação cultural e política mais ampla.
Se assim o é, vale a pena refletirmos sobre a relação desse fenômeno com o campo da educação escolar, tida desde sempre como a principal alavanca para a melhoria das condições de vida das populações pobres. Em primeiro lugar, parece-me indiscutível que, muito mais do que uma melhoria da educação pública – pois é essa a escola frequentada pelos batalhadores do Brasil -, foram as políticas públicas de emprego, renda, salário e as dirigidas ao desenvolvimento econômico que tiveram grande impacto na melhoria da vida de parte significativa da população brasileira. Isso, é evidente, demonstra que a educação não é tudo e deveria servir de alerta para empresários e ativistas sociais que defendem melhorias na educação pública, mas criticam veementemente os gastos sociais do Estado.
De outra parte, é importante pensarmos nos desdobramentos dessa questão para o campo da educação pública. Como sabemos, há muitos anos, o sonho de consumo das famílias que passam a ganhar um pouco mais, inclusive das famílias de professores da escola pública, é colocar a criança na escola privada. Ou seja, desde há muitos anos, perdemos, no Brasil, a noção de que a escola básica, pública e gratuita, é um direito de todos nós e uma condição para que tenhamos um país mais democrático e com menos desigualdade social. As experiências de outros países e de alguns municípios brasileiros são contundentes: a participação das camadas médias na escola pública é uma condição importante para a sua qualidade e, no limite, para a própria consolidação de uma cultura
política democrática e, portanto, que não seja baseada em busca e distribuição de privilégios. Não porque as crianças das camadas médias sejam mais inteligentes ou coisa do tipo, e sim porque as camadas médias, de um modo geral, conhecem melhor o próprio funcionamento da escola e investem de maneira diferenciada nela.
Portanto, hoje estão colocados pelo menos dois grandes desafios para aqueles que lutam pela melhoria da qualidade da escola, pela diminuição das desigualdades sociais e pela consolidação democrática no país: produzir uma noção de direito à educação pública que abarque a todos nós e não apenas as camadas populares e, de outra parte, avançar na qualificação da escola pública de modo que os batalhadores do Brasil queiram e possam nela manter os seus filhos. Se não conseguirmos isso, estaremos uma vez mais nos distanciando dos nossos melhores sonhos.
Luciano Mendes de Faria Filho é professor de história da educação da UFMG, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação, bolsista do CNPq. |
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