Vídeos curtos no TikTok viram o novo atalho da geração Z para os estudos


Reforço na hora de se preparar para o vestibular, formato ‘divertido’ atrai, mas requer cuidado e não substitui aulas

Por Pâmela Dias — Rio de Janeiro – 09/06/2024 – Jornal O Globo / Educação

Macete. Emily Terra, estudante aprovada em Medicina: vídeos ajudam a memorizar termos e dão dicas de resolução de exercícios. – Foto: Hermes de Paula

Jovens estudantes garantem que nem só de dancinhas o algoritmo de seus perfis no TikTok está recheado. A nova tendência da geração Z é usar o app para auxiliar nos estudos. Como uma espécie de Google — só que mais divertida, na opinião deles —, a rede social chinesa se tornou uma plataforma para tirar dúvidas rápidas sobre disciplinas variadas e até dar resumos de livros cobrados em vestibular. O consumo destes conteúdos, porém, requer parcimônia e não substitui as explicações em sala de aula, alertam especialistas.

A estudante Emily Terra, de 18 anos, conta recorrer ao aplicativo sempre que precisa de macetes para memorizar termos de Física e Biologia. Em vez de abrir o YouTube e ficar 30 minutos acompanhando uma video-aula, ela opta por jogar o assunto na busca do TikTok e, instantaneamente, recebe dezenas de conteúdos de até três minutos com dicas de resolução de exercícios. A jovem garante que a soma da dedicação na escola e das instruções de tiktokers de educação resultaram na conquista da tão sonhada vaga no curso de Medicina.

Gustavo, de 18 anos, que pretende cursar Medicina: plataforma virou meio para obter resumos de obras cobradas nos vestibulares — Foto: Arquivo pessoal

— Recorro ao TikTok para ver vídeos animados sobre matérias em que tenho dificuldade e quando perco o foco depois de estudar por muito tempo. Uma dica é assistir a conteúdos com bastante comentários e feitos por professores famosos, porque são mais confiáveis — relata. — O TikTok tem vídeos criados para nós, adolescentes, de forma curta, animada, com imagens, paródias e músicas, para ajudar a entender e aprender a matéria.

O app vizinho, como o TikTok foi apelidado, tem tanto potencial de alcance que youtubers como a professora de História Débora Aladim e o professor Jubilut, de Biologia, aderiram à plataforma e, juntos, já têm mais de três milhões de seguidores. Com memes e didática quase imersiva, eles já alcançaram cerca de 66 milhões de curtidas.

Essa forma jovem de buscar informação já é tendência constatada em pesquisas. Em 2022, um estudo interno do Google revelou que 40% dos jovens já usavam o TikTok como ferramenta de busca. Este ano, um levantamento feito pela Adobe mostra um número ainda maior: 64% da geração Z — nascidos entre 1995 e 2010 — já trocaram o Google pelo TikTok na hora de buscar algo, seja a resposta para uma dúvida ou um lugar para almoçar. Essa taxa vai caindo nas gerações anteriores. Em todas elas, o Google segue no topo do ranking dos mecanismos de busca mais usados.

Obras ‘lidas’ em segundos

Aluno do cursinho popular Espaço Educacional Quilombo Guarani, na periferia do Jardim Ângela, na Zona Sul de São Paulo, Gustavo Honorato da Silva, de 18 anos, usa a plataforma para outra finalidade: pegar resumo de capítulos de livros cobrados em vestibulares como Fuvest, da USP, e Comvest, da Unicamp. Segundo o estudante, que está no 3º ano do ensino médio, esta é a única forma de conseguir dar conta das “leituras” das 17 obras cobradas pelas universidades. A coletânea de poemas “Romanceiro da Inconfidência“, de Cecília Meireles, foi um dos livros devorados em apenas cinco minutos no TikTok.

— Eu estudo para passar em Medicina, e a demanda é muito grande. Então, o TikTok acaba sendo um meio de eu conseguir explorar o maior número possível de conteúdos. De todos os livros cobrados, eu só consegui ler um. Dos outros, vi vídeos de um professor de literatura no app que me ajudaram muito — conta Gustavo.

A dinâmica envolvente da plataforma é o que cativa os jovens, de acordo com o diretor do ProRaiz Sistema de Ensino, Flavio Rocha:

— Os vídeos curtos e criativos simplificam conceitos complexos, tornando o aprendizado mais acessível. O modelo visual e interativo da plataforma também facilita a fixação dos conteúdos. Além disso, a possibilidade de troca em comunidades de estudo permite o compartilhamento de dicas e o esclarecimento de dúvidas entre os usuários — aponta Rocha.

A metodologia divertida da rede, defende o especialista, permite ainda a ampliação do processo criativo dos alunos. Muitos deles, inclusive, se tornam produtores de conteúdo na plataforma a partir do que aprenderam.

Conteúdos superficiais

O lado negativo, no entanto, também existe. O diretor de estratégias pedagógicas do grupo Raiz Educação, Rafael Pinna, especialista em ferramentas digitais de educação, explica que há riscos em terceirizar o aprendizado ao app, visto que nem todos os conteúdos são confiáveis e feitos por professores. Outro ponto é a superficialidade dos vídeos, que acabam limitando o pensamento crítico dos alunos.

— Por ser uma plataforma de engajamento, é natural e inevitável que essa ferramenta seja usada também para estudar. Mas, sem a chancela de uma instituição de ensino, o aluno dificilmente consegue distinguir o bom do mau professor. Também é fundamental que os alunos não acreditem que podem substituir as aulas tradicionais por pílulas do TikTok. Justamente por serem vídeos curtos, qualquer conteúdo ali é, na melhor das hipóteses, superficial ou pontual — afirma Pinna.

O especialista acrescenta que, em um processo de preparação para o Enem, o app chinês nunca vai ser suficiente para a aabsorção dos conteúdos, visto que existem questões complexas, aprofundadas e interdisciplinares nas provas, que fogem dos macetes. Recentemente, o TikTok anunciou planos para liberar vídeos com mais de dez minutos, tempo limite permitido atualmente no app. A nova ferramenta, segundo Pinna, ajudaria na didática mais aprofundada, mas também o engajamento dos alunos pode cair.

Procurado, o TikTok informou que utiliza tecnologias para identificar possíveis informações falsas ou enganosas e trabalha em parceria com especialistas para garantir a qualidade do conteúdo educacional disponível. A plataforma disse ainda que educação é um tema em ascensão no app. A hashtag #Edutok conta com mais de 24,3 milhões de vídeos publicados, enquanto mais de 185 mil posts já foram feitos com a #educação.

Os milhares de vídeos apresentados em sequência na timeline, impulsionados pelos algoritmos, também demandam cuidado, visto que podem desviar a atenção dos jovens para conteúdos fora do âmbito escolar, e ainda potencializar o tempo que passam em frente às telas. Aluna do 2º ano do ensino médio, Nina Salotto Campos, de 17 anos, conta que precisa se policiar para não ficar “viciada” na rede:

— O app é algo viciante. Muitas vezes eu tenho que entrar, ver o vídeo que quero, salvar na galeria e sair do aplicativo para que eu não me perca rolando o feed para baixo. A plataforma começa a me sugerir vídeos semelhantes e eu fico imersa ali. Ao mesmo tempo que o aplicativo me influencia a estudar, também pode “roubar” boa parte do meu tempo.

Para o professor da Faculdade de Educação e do programa de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Paulo Carrano, a dificuldade de incorporar novas tecnologias dentro das salas de aula tem feito com que muitos alunos façam uso de redes sociais e plataformas de inteligência artificial sem qualquer letramento digital, fator que requer atenção das escolas e dos pais.

— A tecnologia não é ruim ou boa. Ela terá seu caráter definido a partir do tipo de uso. Por isso, é essencial desenvolver debates em sala de aula e em casa com os jovens para que eles tomem consciência sobre como guiar os algoritmos para entregar conteúdos relevantes e confiáveis — defende.

Categorias:Minhas análisesTags:, , , , ,

Deixe um comentário