Manifesto do Colóquio Regional Sul “Ensino Médio: reflexões e propostas”


O Colóquio Regional Sul “Ensino Médio: reflexões e propostas” foi promovido pela Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Regional Sul, tendo a participação de representantes da Universidade Federal do Paraná, da Universidade Federal de Santa Catarina, da Universidade Federal de Santa Maria, da Universidade Federal de Pelotas, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, da Universidade Federal do Pampa, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e da Universidade Federal da Fronteira Sul, além das instituições anfitriãs, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), para a análise dos impactos da Medida Provisória 746/2016, que propõe uma reforma do Ensino Médio. O encontro é inédito por congregar educadores do Ensino Superior na defesa de uma educação democrática de Ensino Médio. As atividades do Colóquio tiveram, também, a participação de docentes, discentes e técnico-administrativos de outras Instituições de Ensino Superior e de Ensino Médio da Região Sul.

Foram propostas duas mesas temáticas conduzidas por estudiosos e pesquisadores do campo das políticas educacionais e do ensino e da aprendizagem no Ensino Médio, que analisaram a MP 746 e problematizaram os efeitos da reforma proposta. As abordagens foram seguidas de discussões com a plenária, aprofundando análises e apontando encaminhamentos que revelam a posição da comunidade acadêmica e estudantil sobre o tema.

Inicialmente, é preciso compreender as Instituições de Educação Superior como bem público, como espaço de fomento da consciência crítica e pluricultural. Às Universidades e aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, cabe a tarefa social de colaborar com a formação de sujeitos, contribuindo para que a sociedade se renove, prevalecendo os princípios da democracia e da garantia dos Direitos Fundamentais de cidadania. Nessa direção, não poderíamos desconsiderar a premência dessa discussão e de posicionamento político na defesa da educação como um desses direitos.

A partir das discussões realizadas, consideramos:

– o encaminhamento da reforma do Ensino Médio pelo expediente da Medida Provisória (MP), gestada diretamente no Gabinete do Ministério da Educação e

desconsiderando o histórico de discussões, experiências pedagógicas, estudos e pesquisas no campo do Ensino Médio desenvolvidas há mais de uma década;

– as proposições indicadas na MP, que alteram a concepção de Ensino Médio da LDBEN 9394/96, negando-o como parte da Educação Básica Nacional e direito de todo cidadão.

Com base nessas considerações, problematizamos:

* O estreitamento dos currículos de Ensino Médio atrela, de maneira perigosa, o aprender e o ensinar aos interesses do mercado de trabalho e às respectivas oscilações, priorizando o capital e opondo-se ao conceito de vida sustentável.

* O entendimento de Escola de Tempo Integral diverso das premissas de Educação de Tempo Integral. O programa de fomento à Implementação de Escolas em Tempo Integral, instituído pela Portaria 1145, de 10/10/2016, tem como compromisso aumentar a carga-horária das componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, com o objetivo anunciado de melhorar índices educacionais, como é o caso do IDEB. Para cumprir com esse objetivo, seriam excluídas as disciplinas de Filosofia, de Sociologia, de Artes e de Educação Física, além de cassado o direito de escolha a uma língua estrangeira previsto na LDBEN 9394/96, já que o Inglês seria admitido como componente curricular obrigatório.

* A exclusão das referidas áreas disciplinares produziria um verdadeiro esvaziamento nos currículos, empobrecedor da formação das novas e atuais gerações de jovens. Nessa direção, estudiosos do campo educacional denunciam o atrelamento exclusivo do ensino ao treinamento, ao preparo dos estudantes para o êxito nas avaliações nacionais e internacionais que seguem os critérios de eficiência da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Consideramos, portanto, que submeter a formação no Ensino Médio a treinamentos para exames é desconhecer as potências do conhecimento como estatuto de autonomia, o que se contrapõe ao próprio argumento de liberdade de itinerários curriculares que sustenta parte da proposta de reforma.

* A precarização da formação integral dos estudantes, pois os assim denominados itinerários curriculares previstos no texto da MP não aliam o ensino humanista ao ensino técnico e científico. A MP nega as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio que foram construídas no bojo de intensas discussões entre os principais atores sociais e educacionais. Uma propagada e desconhecida base

nacional curricular e a proposta de itinerários formativos promoveriam o fatiamento do currículo, sonegando conquistas curriculares históricas.

* Exemplos de conquistas ameaçadas são encontrados nas abordagens curriculares de temáticas advindas das diferenças e especificidades regionais e culturais, bem como de conhecimentos diversos do campo das etnias, do gênero, da cultura, entre outros. Alinha-se esta proposta de currículo padronizado a Projetos de Lei como os autodenominados “Escola sem Partido” ou “Escola Livre”, conhecidos também como “Lei da Mordaça”, por cercearem a produção e a socialização do conhecimento e por violarem o princípio constitucional de livre expressão e a de liberdade de cátedra.

* Todas essas mudanças consolidariam escolas ainda mais diferentes para sujeitos de classes sociais diferentes, acirrando as desigualdades sociais em nosso país. Percebemos o risco de nossa juventude transformar-se em estoque populacional para o mercado de trabalho. Esse pensamento está claramente demarcado no documento em que o MEC expõe motivos para a apresentação da MP 746/2016 ao Presidente da República.

* A admissão de pessoas com “notório saber”, a partir de uma interpretação equivocada dessa distinção nas universidades, fragiliza e enfraquece as Licenciaturas como lócus legítimo de formação de professores. A MP desqualifica os investimentos das últimas décadas em estudos e pesquisas que resultaram nas Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica, apontando uma desconhecida base curricular como referência para a formação docente. A padronização dos processos formativos a partir de tal referência desconsidera peculiaridades e especificidades dos sujeitos sociais e as diferenças regionais que marcam as práticas pedagógicas em cada instituição que forma professores.

* Entende-se, em decorrência dessa conjuntura que se anuncia, uma desvalorização dos docentes, estudiosos e pesquisadores, contribuindo, sobremaneira, para a desprofissionalização docente. Isso também pode ser verificado no enfraquecimento de políticas relacionadas à qualificação da formação de professores como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), e o Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR). Necessário mencionar, ainda, a extinção do Pacto do Ensino Médio que, durante sua constituição, promoveu formação continuada e mudanças significativas nas práticas pedagógicas construindo novas trajetórias de aprender no Ensino Médio.

* A convalidação dos conteúdos cursados no Ensino Médio como créditos para o Ensino Superior ataca a especificidade da formação no Ensino Superior. Essa possibilidade teria implicações sobre a autonomia das universidades e dos IFs e aponta para pretensões futuras nas reformas educacionais que excedem a esfera da Educação Básica, as quais ameaçam os pilares sobre os quais está erigida nosso Ensino Superior.

* Ainda a propósito do montado ataque à autonomia das instituições formadoras de professores, há que se destacar a previsão de dois anos, a partir da MP, para que os currículos das licenciaturas passem a ter a desconhecida base nacional comum como referência. Essa decisão milita frontalmente contra o amadurecimento de um sistema de formação de professores, não reconhecendo a sua complexidade, desorganiza e fragiliza os esforços formativos em curso e precariza as relações colegiadas do processo decisório entre Instituições de Ensino Superior, sistemas de ensino, escolas, alunos e sociedade.

* Os recursos do FUNDEB estão comprometidos pelas restrições de investimentos a partir da aprovação da PEC 241/55, o que parece ser ignorado no ínterim de apresentação da reforma do Ensino Médio à sociedade. A redução dos gastos produziria o estraçalhamento do Ensino Médio, afrontando as conquistas de ampliação e acesso previstas no Plano Nacional de Educação (PNE). Salientamos que 60% do texto da MP refere-se às questões do financiamento, admitindo parcerias público-privadas e, nesse sentido, omitindo a progressiva perspectiva de privatização da educação pública. Diferente do que se poderia desejar em termos de financiamento frente a uma proposta coerente de reforma educacional, não são assegurados quaisquer investimentos nos campos da infraestrutura e da valorização dos professores.

A partir de tais análises, reivindicamos:
– A imediata revogação da Medida Provisória 746.
– A imediata retirada da PEC 55 (antiga PEC 241) da pauta do Senado Federal.
– Ampliar discussão com a sociedade, por exemplo, por meio da promoção de

audiências públicas e de consultas públicas sobre mudanças no Ensino Médio, envolvendo sistemas de ensino, instituições federais de ensino superior, pesquisadores, escolas, professores, alunos e entidades representativas.

– Articular mudanças no Ensino Médio ao fortalecimento do PNE e das garantias em relação ao financiamento público da educação.

– Fortalecer a representação do setor público nas discussões sobre mudanças no Ensino Médio.

– Garantir a participação da Andifes nas audiências da Comissão Mista do Senado e da Câmara.

– Manifestar, por meio da Andifes, a defesa de manutenção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica.

– Manifestar apoio deste Colóquio Regional aos estudantes que ocupam hoje 150 universidades, bem como aos estudantes secundaristas unidos na luta pela educação pública, gratuita e de qualidade, repudiando toda e qualquer prática de repressão policial.

– Repudiar o apoio do Judiciário ao cerceamento de manifestações e a autorização e conivência com práticas autoritárias e repressivas.

– Exigir, das Secretarias de Estado da Educação que se posicionam contra a MP 746, que se manifestem publicamente, tendo em vista o alinhamento do CONSED (Conselho Nacional de Secretários da Educação) à referida Medida Provisória.

– Exigir apoio das Administrações Centrais de Universidades e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia em relação às ocupações, às manifestações e ao movimento em defesa da Educação pública, gratuita e de qualidade.

Porto Alegre, no Salão de Atos da UFRGS, 4 de novembro de 2016.

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O conteúdo do Colóquio do Ensino Médio, realizado na UFRGS, na sexta-feira, dia 04 de novembro, está disponível na internet:

 

 

 

 

 

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