Nestes dias que antecederam o início da Jornada Mundial da Juventude e a visita do Papa Francisco concedi duas entrevistas para jornalistas alemães. Segue o que respondi, na íntegra.
Entrevistas – Prof. Dr. Paulo Carrano (Observatório Jovem do Rio de Janeiro/Universidade Federal Fluminense)
Agencia de Notícias DPA (Alemanha)
http://www.philipp-lichterbeck.com/
Julho/2013
Que papel jogam as redes sociais na internet para a nova geração? Existe uma diferença no uso dessas redes entre cidade/campo, asfalto/favela?
Paulo Carrano – Uma das características de viver a juventude nos dias de hoje é o de estar imerso num mesmo meio técnico-científico integrado pela maior capacidade de receber e produzir informações. Neste sentido, pode-se falar numa certa homogeneidade de tempo histórico para os jovens. Isso sem desconsiderar as desigualdades de condições de acesso à internet e também as diferenças socioculturais, onde a escolarização tem um papel preponderante. Da mesma forma, os diferentes lugares e cotidianos de cada um exercerão pressão específica para pautas originais de mobilização e reivindicação. Esta é uma geração que tem à sua disposição um meio fantástico para produzir e socializar seus próprios códigos sociais e pautas de reivindicação sem que as instituições controladas pelo mundo adulto exerçam o controle direto. Os jovens são também desafiados a ampliar suas capacidades de realizar escolhas conscientes diante de tantas informações contraditórias e movimentos de manipulação promovidos por empresas e governos, por exemplo. Temos percebido no diálogo com os jovens que esta é uma fonte de ansiedade e angústia. Por vezes, jovens revelam que se encontram “perdidos” diante dessa avalanche de informações e valores que circulam pelas redes sociais, em especial.
Os jovens hoje são mais politizados, mais críticos como os protestos sugeriam? Eles estão mais informados e conscientes? Como se explica a onda de protestos?
PC – Toda vez que introduzimos o “mais” estamos dando a entender que há uma comparação em jogo. Não arriscaria dizer que os “jovens de hoje” são mais críticos ou conscientes em relação a jovens de outras épocas sem um quadro preciso de comparação. O que se pode dizer, contudo, é que os jovens hoje possuem mais possibilidades de se informar e elaborar opiniões alternativas aos canais e instituições dominantes de produção de “verdades”. Existem mais canais de informação e as instituições perderam muito de sua capacidade de impor suas normas e valores diante da maior autonomia das juventudes contemporâneas. Da mesma forma, as redes sociais são ferramentas ágeis de comunicação que permitem que as insatisfações individuais sejam compartilhadas e transformadas em agendas de mobilização coletiva que podem surgir, circular e se esgotar no espaço-tempo da internet ou mesmo ganhar as ruas, tal como presenciamos no Brasil e em outros países, recentemente. As redes sociais não possuem hierarquias rígidas e a representação pode ser exercida de forma mais individualizada e direta. E isso é um traço distintivo se comparado com as instituições tradicionais da participação política. Exatamente estas que estão diante da necessidade de rever suas formas e conteúdos de atuação diante das recentes mobilizações que tomaram as ruas do país.
Que impacto tiveram os programas sociais como Bolsa Família para a educação?
PC – O Bolsa Família, assim como outros programas da mesma natureza, fazem parte de políticas que buscam retirar pessoas do limite da sobrevivência e da miséria. Não atacam a estrutura social e econômica de sociedades baseadas na desigualdade entre as classes, tal como a brasileira, mas são importantes suportes para que indivíduos e famílias vivam com mais dignidade. Este suporte, ainda que mínimo, aquece economias locais, organiza cotidianos, fortalece a autoestima e amplia a possibilidade de que as famílias possam projetar suas vidas para outros patamares de dignidade social. Neste contexto, sim, se encontra a melhoria dos índices de escolarização que sabemos ser decisivos para a mobilidade social.
Quais são os maiores desejos, medos, aspirações e valores desta nova geração
PC – É preciso cuidar para não olhar para jovens, ainda que estes estejam em faixas etárias próximas, e pensar que estamos diante de uma mesma geração. Sociologicamente, é possível falar de geração quando os indivíduos e grupos de jovens compartilham a mesma experiência espacial e temporal. Reconhecida esta dificuldade conceitual de partida, torna-se mais fácil procurar identificações entre aqueles que vivem o tempo da juventude na mesma época histórica. Consigo, contudo, perceber alguns traços geracionais que poderiam atravessar aspirações de jovens diferentemente posicionados na sociedade. Esta é uma geração que vive a aceleração e a incerteza do tempo em seus cotidianos. O medo de sobrar nos mercados de trabalho cada vez mais seletivos e desprotegidos, a angústia por não saber o que será o dia de amanhã, o sentimento de rejeição por “ser diferente”, a preocupação em não estar conectado permanentemente e “ficar por fora” ou ser socialmente esquecido, o medo de ser violentada – preocupação comum entre jovens mulheres – e de morrer assassinado, sendo este um sentimento que acomete, e não sem razão estatística, os jovens pobres e negros do Brasil. Os jovens brasileiros possuem aspirações típicas do tempo da juventude: sonham com um futuro melhor para si e para suas famílias. Há, sem dúvidas, sensíveis diferenças entre os jovens segundo as origens das classes sociais, uma vez que os jovens mais pobres partem de um patamar social e econômico de reduzidas expectativas de futuro, se comparados com os jovens economicamente favorecidos. Políticas públicas no Brasil, em especial as que se preocupam em garantir melhores condições de acesso à escolarização e ampliar oportunidades aos jovens pobres e discriminados por sua cor de pele (índios e negros), tem demonstrado sua importância para a ampliação das aspirações desses jovens.
Quais são os maiores tribos dentro dessa geração?
PC – Não utilizo a expressão “tribos” para tratar de grupos juvenis por entender que a metáfora deixa passar uma ideia de que os grupos são isolados entre si. Sim, há grupos que se fecham em suas próprias ideologias e práticas, rejeitam a diferença, mas estes me parecem minoritários. As próprias redes de internet demonstram que há maior e melhor conectividade entre diferentes identidades juvenis. De qualquer forma, há uma identificação social juvenil fortemente ancorada nos símbolos e pautas de atuação coletiva referidos ao direito à diferença, especialmente referidas ao corpo e ao simbólico. Destacaria, então, os grupos de jovens relacionados com a questão racial, o gênero e a sexualidade e também as expressividades esportivas e musicais. Este grupos estão ao longo dos últimos anos conseguindo associar uma agenda cultural-expressiva com pautas de reivindicação e conflito que interpelam os poderes públicos e os modelos culturais dominantes. É preciso destacar também os grupos juvenis que se preocupam em lutar pela mobilidade nos espaços urbanos e rurais e que, por isso mesmo, se voltam contra as perversas estruturas que privatizam as cidades e fazem com que se deslocar pelo espaço seja quase um luxo de classe. O movimento de jovens pela Tarifa Zero nos transportes públicos e o passe livre para estudantes são expressões desses coletivos juvenis que contribuem para deixar uma marca nesta geração de jovens no Brasil. Os jovens que lutam pelo direito à cidade estão também reivindicando um maior campo de autonomia para a juventude e liberdade para todas as gerações. Devemos ser gratos a eles e elas por isso e caminhar juntos sempre sem a velha e conservadora pretensão de “guiar a juventude”. Eles e elas estão nas redes e nas ruas apontando caminhos possíveis para aprimorar a democracia no Brasil.
Entrevista para o Blog Hyperland – Alemanha
O sr. acha que os recentes protestos no Brasil podem ter alguma influencia na Jornada Mundial da Juventude (JMJ)?
Paulo Carrano – Não tenho dúvidas que a ocorrência da JMJ neste período de protestos no Brasil pode fazer diferença. O Brasil é um país com um número expressivo de católicos que também se envolveram nas recentes manifestações. Para muitos outros jovens engajados nos protestos, os gastos públicos com a visita do Papa, em especial, representam uma forma de “desvio” do bom uso que os recursos públicos poderiam ter na solução dos problemas sociais do Brasil. A mesma crítica feita aos gastos com a Copa do Mundo também pode servir para a JMJ que se confunde com a visita do Papa. Ainda sobre o Papa é preciso reconhecer que se trata de um chefe de Estado e uma representação de poder político. Inegavelmente, as manifestações que tiveram início em junho nas ruas do Brasil têm como alvo as diferentes instituições detentoras de poder político. No campo cultural, há um embate no Brasil de hoje entre o campo progressista e as posturas conservadoras sobre o corpo e a sexualidade presentes na doutrina dominante da Igreja Católica. Neste aspecto, é possível que jovens peregrinos também se manifestem no sentido de cobrar posições mais liberais e contemporâneas do chefe da Igreja.
Na sua opinião, existe alguma intersecção entre as pautas a serem discutidas na JMJ e as pautas trazidas pelos protestos? Se sim, como entender isso?
PC – A pauta principal da JMJ está relacionada com o esforço da Igreja Católica em ampliar sua influência evangelizadora, em especial, entre os jovens: “Ide e fazei discípulos entre todas as nações”, esta foi a convocação feita pelo Papa Bento XVI no anúncio do lema da Jornada Mundial da Juventude Rio2013. A Igreja procura maior sintonia com os jovens buscando adotar, por exemplo, suas formas de comunicação, estilos musicais e, em especial, utilizar a internet e as redes sociais. A indulgência promovida pelo Papa através do Twitter é um exemplo disso. Contudo, para que haja de fato uma sintonia entre esta pauta evangelizadora com os sentidos profundos das manifestações no Brasil que cobram direitos sociais e moralidade com a coisa pública, a JMJ precisaria afirmar o compromisso dos jovens católicos com as reais necessidades humanas dos que vivem na terra. Não há transcendência sem mundaneidade, pensam, ainda, alguns católicos. Neste sentido, sem abrir mão da espiritualidade, a convergência entre as pautas será tanto maior quanto o sentido da Jornada estiver relacionado com a solução dos problemas sociais e o enfrentamento das desigualdades sociais e a melhoria dos serviços públicos destinados aos mais necessitados e injustiçados do mundo.
O que um evento da magnitude da JMJ pode significar para o Brasil, neste momento político que vivemos?
PC – Pode significar a confirmação de que o Brasil é um país pluralista que hoje bem recebe uma Jornada de jovens católicos, mas que amanhã pode ser também espaço para encontros de outras denominações religiosas e atos públicos com sentidos políticos e culturais diversos. A realização da JMJ com organização, segurança e respeito à diferença também credencia o Brasil para outras recepções da mesma escala de importância.
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