Contribuição para a reconstrução da política nacional de juventude


O documento busca contribuir com diagnósticos e proposições para a reconstrução da política nacional de juventude neste momento de transição de governo no âmbito federal. Ele foi elaborado por 13 especialistas, listados ao final, em diferentes áreas relacionadas com estudos e políticas de juventude e que atuaram ao longo dos anos de 2005 e 2016 em diversas ações relacionadas com as políticas públicas de juventude em âmbito nacional. O documento apresenta diagnósticos e oferece contribuições para as áreas de enfrentamento da violência e do racismo, da educação, do trabalho e da saúde. Ele foi protocolado na Presidência da República e entregue ao Grupo Técnico de Juventude que integra o Gabinete de Transição de Governo.


Acesse aqui o documento com as contribuições em formato pdf

Introdução

A juventude vem se constituindo em tema da agenda pública no Brasil há pelo menos duas décadas; o avanço mais importante nesse sentido se deu com os governos Lula e Dilma, que transformaram o tema em um assunto de Estado, criando a Secretaria Nacional de Juventude e um conjunto de elementos para o desenvolvimento de uma política com foco nos jovens como sujeitos de direitos, como plasmado no Estatuto da Juventude (Lei 12.852 de 2013).

Levando em conta os princípios e as diretrizes deste Estatuto, o objetivo do presente documento é contribuir para o trabalho do GT Juventude e os demais grupos na equipe de Transição encarregados da formulação, implantação e aperfeiçoamento de políticas públicas de juventude. Seus/suas signatários/as são profissionais que atuam na “área de juventude” em organismos da sociedade civil, em instâncias governamentais e em universidades públicas.

Queremos lembrar, em primeiro lugar, que o desenvolvimento dessa política se fez desde o início tendo como eixos basilares o envolvimento e participação dos próprios jovens na definição das suas diretrizes e acompanhamento crítico de seus programas: o mesmo ato do presidente Lula que criou em 2005 a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) criou também o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), com ampla participação de representantes de organizações e coletivos juvenis, e que acompanhou toda a implementação das ações da Secretaria, inclusive a realização de 3 Conferências Nacionais, nos anos de 2008, 2011 e 2015.

A política nacional de juventude construída nesse período envolveu a elaboração e execução de programas de inclusão com estrutura e orçamento capazes de produzir incidência na vida dos jovens, baseadas no paradigma do reconhecimento dos/as jovens como sujeitos de direitos, com necessidades e potencialidades singulares em relação a outros segmentos etários. Como também, o reconhecimento da necessidade de considerar a pluralidade e as diferenças que atravessam o segmento juvenil para superar as desigualdades existentes.

Entre os programas desenvolvidos pela SNJ, implementados com essa perspectiva, destacamos o Projovem – Programa Nacional de Inclusão de Jovens em 2006; o Plano Juventude Viva, de enfrentamento da violência contra a juventude negra, em 2012; o Estação Juventude, também de 2012, e o ID Jovem (que estrutura a garantia de benefícios relativos ao acesso à cultura e ao transporte interestadual para jovens de baixa renda estudantes como regulamentação do Estatuto da Juventude), em 2015.

Contudo, desde o golpe de 2016 esses direitos têm sido ameaçados, desrespeitados, subtraídos; programas em implantação foram descontinuados, desvirtuados e submetidos à inanição orçamentária; novas ações foram implantadas em perspectiva diversa da anterior, orientados para a negação da diversidade, para a intolerância e a desobrigação do Estado na promoção da inclusão e da emancipação dos jovens.

A perspectiva de ir ampliando cada vez mais a garantia dos direitos dos jovens, a diversidade dos segmentos beneficiados e o escopo das dimensões consideradas foi substituída pela concentração das ações da SNJ em dois únicos eixos: o controle comportamental dos jovens e a promoção de uma única forma de inclusão produtiva, eliminando a diversidade dos programas em diferentes temáticas.

Outro princípio que guiou a construção das políticas de juventude no seu período virtuoso foi o da construção e fortalecimento das relações federativas estabelecendo formas de relação entre a união e os organismos infranacionais (estados e municípios), com princípios republicanos e transparência dos objetivos e das execuções orçamentárias. Esse princípio também foi rompido pelo atual governo. A ausência de um programa de juventude no PPA e a ausência de informações detalhadas nas peças orçamentárias e nos relatórios de gestão indicam a possibilidade de operação de uso abusivo de recursos como as emendas parlamentares e termos de colaboração com organizações pouco vinculadas ao público jovem e aos temas que os afetam. É urgente, nesse sentido, levantar informações e compreender as formas de execução dos programas da SNJ, e retomar um modo republicano e transparente de estabelecimento da sua execução.

Baseadas em estatísticas disponíveis, em resultados de pesquisas e em avaliações de programas voltados para jovens de 15 a 29 anos, as contribuições aqui reunidas certamente não contemplam o conjunto das demandas da juventude brasileira. Apenas destacam as urgências em quatro áreas específicas – educação, trabalho, saúde e enfrentamento a violências, onde o grupo aqui reunido mais tem acumulado ações e reflexões nas duas últimas décadas. Reafirma-se a importância de programas e ações do poder público para reverter processos de reprodução de desigualdades sociais e de marcadores de raça, gênero e local de moradia que atingem particularmente a juventude. Para tanto, é urgente que se repense o papel do CONJUVE como órgão de debate e controle social sobre as políticas públicas que afetam os jovens, e que se retome a realização das conferências para atualizar a agenda de demandas e proposições da nova geração, iniciando o mais cedo possível a preparação da IV Conferência Nacional de Juventude e o debate propositivo sobre novos mecanismos de participação das juventudes nas políticas públicas.

Enfrentar as violências e o racismo

O tema mais urgente e no qual é preciso avançar com prioridade é o da defesa da vida e integridade dos jovens atingidos pelos diferentes tipos de violência, que são estruturais e pioraram nos últimos anos com o autoritarismo, conservadorismo e o racismo praticados também nas instituições do Estado. São jovens negros, jovens mulheres, jovens LGBTQIAP+, jovens indígenas, jovens do campo da agricultura familiar ou sem-terra, jovens moradores das periferias e em situação de rua que são cotidianamente destratados, ameaçados, agredidos e mortos. É urgente retomar ações coordenadas com diferentes ministérios e principalmente construir uma nova política de segurança pública e de justiça,

para que os jovens sejam protegidos e não criminalizados. A vida da juventude negra está no centro desse debate.

Prevenir a violência com aumento da compreensão da sociedade sobre este problema, criando um ambiente favorável para a transformação de padrões culturais e para o enfrentamento ao racismo, além da garantia de direitos humanos no cotidiano de jovens negros e negras também é central. Movimentos sociais denunciam há muito tempo o genocídio em curso no país que mutila famílias inteiras, institui verdadeiras zonas de guerra nas periferias brasileiras e não pode ser tolerado por um governo comprometido com o Estado de Direito, a democracia e a vida.

Das 47,5 mil pessoas assassinadas no Brasil em 2021, 78% eram negras, 91% homens e 50% tinham entre 12 e 29 anos. Agentes do Estado foram responsáveis no período de 2013 a 2022, com ações das polícias civil e militar, por 12,9% de todas as Mortes Violentas Intencionais (MVI) do país. Os principais atingidos também são homens, adolescentes e jovens, pretos e pardos: 74% com até 29 anos. Enquanto a taxa de mortalidade entre pessoas brancas retraiu 30,9% em 2021, a de vítimas negras cresceu em 5,8%. O percentual de pretos e pardos vítimas de intervenções policiais chegou a 84,1% de todas as vítimas com raça/cor identificados (Anuário da Segurança Pública a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social).

A pesquisa “A filtragem racial na seleção policial de suspeitos: segurança pública e relações raciais”, coordenada por Jacqueline Sinhoretto e desenvolvida em rede nos estados de SP, RJ, MG e DF em 2014, apontou a existência do estereótipo racializado na construção do suspeito e constata o racismo institucional nas corporações militares e no sistema de justiça criminal como uma das causas do chamado genocídio de jovens negros.

Demanda social pauta agenda pública

pauta de enfrentamento ao extermínio da juventude negra tem sido colocada na agenda institucional das políticas públicas de juventude desde a criação do Conjuve, em 2005. A demanda por respostas do Estado para este problema grave de violação dos direitos humanos cresce com o I ENJUNE (Encontro Nacional da Juventude Negra), em 2007, mesmo ano de criação do PRONASCI, e a confirmação da prioridade número 1 da I Conferência Nacional de Juventude, em 2008: implementar as propostas do Enjune contra o extermínio da juventude negra. A primeira resposta do Governo Federal veio com o Plano Juventude Viva (PJV), ao mesmo tempo em que se desenvolvia o Programa Brasil Mais Seguro, a partir de 2012.

O Juventude Viva se propôs a diagnosticar e reconhecer o problema da mortalidade dos jovens negros como resultado de processos históricos marcados pelo racismo e pela criminalização da juventude preta, pobre e de periferia. Seu desenho e implementação foram pautados pela participação social e articulação interministerial sob os pilares da promoção de políticas públicas nos territórios mais vulneráveis à violência letal e pela sensibilização de agentes do Estado para o combate ao racismo institucional. O PJV começou a ser

implementado em estados prioritários e foi descontinuado em grande parte a partir de 2015. Com apoio da Unesco, manteve-se a publicação do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à violência (IVJ), publicado também em 2017, mesmo ano em que as agências da ONU no Brasil lançaram a campanha Vidas Negras. Seu principal alerta era que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no país. Em 2018, o Governo Federal lançou uma nova fase do PJV, mas não encontramos informações sobre supostas novas ações que tenha realizado além de eventos.

O programa precisa ser retomado e atualizado – especialmente com a inclusão da perspectiva de gênero, com prevenção e atenção a mulheres jovens, além de assistência social, saúde mental e acesso à justiça a mães e familiares de jovens vitimados pela violência. Estas e outras ações devem ser articuladas com o conjunto de políticas do Governo Federal. A violência contra as mulheres além de sistêmica tornou-se endêmica, e foram enfraquecidos os mecanismos para enfrentá-la no último período. Somente em 2021, mais de 66 mil mulheres foram vítimas de estupros, e 61.3% das vítimas eram crianças de até 13 anos de idade. Os dados do Anuário de Segurança Pública mostram ainda que a violência doméstica aumentou, e mais de 230 mil mulheres sofreram agressões físicas, em quase 90% dos casos cometidas por seus companheiros. As mulheres negras são as mais atingidas: 62% das vítimas de feminicídio. O racismo mata muitos mais jovens negros e negras, que precisam de proteção específica das políticas públicas.

Dinâmicas criminais, mercados ilícitos e problemas estruturais

Aprendeu-se com a primeira fase do Juventude Viva que associar diretamente inclusão social e prevenção de homicídios é uma forma limitada de entender e enfrentar o extermínio da juventude negra. A inclusão social é um imperativo, pois pode contribuir para o controle da violência nas relações sociais, mas não é suficiente para evitar a ocorrência de homicídios no complexo cenário brasileiro. O racismo e as dinâmicas criminais, relacionados a mercados ilícitos, como define Michel Misse, seriam fatores preponderantes que ajudam a explicar o aumento da violência letal que atinge principalmente os jovens negros no Brasil.

Marcaram o período de 2015 a 2022 o crescimento dos casos de violência policial (mortes de 100 crianças em cinco anos), a alta sensação de insegurança nas cidades, a expansão/rearranjo do mercado ilegal de drogas e novas configurações da criminalidade no norte-nordeste. Inconteste o avanço/consolidação das milícias e dos grupos de extermínio no país, que deve ser enfrentado, além da ampliação da representação política das polícias (ex.: aumento da bancada de Policiais Militares e Policiais Civis.)

Some-se ao quadro atual, problemas estruturais como o modelo constitucional de segurança pública e de forças policiais que precisam ser valorizadas e mais bem formadas. A atuação do sistema de justiça em relação aos temas penais, a Política de Guerra às drogas – sem sinal de sucesso-, e o descontrole de armas e munições precisam ser mudadosDefendemos que o controle de armas e munições seja promovido com urgência por meio da revogação de uma série de decretos e portarias presidenciais que levaram o Brasil a mais do que dobrar a

autorização de importação de armas para civis em um ano, com aumento similar no registro de armas de fogo em 2020. A política armamentista de Bolsonaro, que incentiva maior circulação de armas, agrava o cenário, intensificando a cultura da violência – inclusive contra as mulheres. Ao facilitar o acesso às armas, concorre com a multiplicação de ataques como o ocorrido recentemente em Aracruz – ES (2022).

É necessário revogar as normas que permitiram a proliferação de armas no último período e que têm incidência no aumento da violência e dos homicídios que atingem adolescentes e jovens no Brasil. Em 2021, ao menos 76% das mais de 47 mil vítimas de homicídio no país foram mortas com o uso de arma de fogo. Resumidamente, sugerimos a revogação de 29 decretos, portarias e resoluções relativos ao controle de armas, munições e demais produtos controlados (nas pgs 187 e 188 do link), e a revogação de cinco resoluções ou decretos que abrem brechas para privatizar a operação de unidades penais estaduais e do sistema socioeducativo ou se referem ao sistema prisional

Além disso, recomendamos acompanhamento e esforço legislativo para avançar o Plano Nacional de Redução de Homicídios de Jovens, que já passou pelo Senado e está parado na Câmara. O PL 4471/12, que coíbe o uso de autos de resistência, também passou pelas comissões, chegou a ir a Plenário, mas foi retirado da pauta de votação em 2014[FP2] .

Perspectiva de saúde pública para política de drogas

Por fim, o paradigma na relação do Estado com a questão das drogas é outro ponto que pede uma política com novas diretrizes, não discriminatória, e que encontre alternativas ao super encarceramento. O uso de substâncias psicoativas deveria ser encarado como questão de saúde pública, voltada à redução de riscos, prevenção e assistência às pessoas usuárias. Uma política nacional para esta questão deverá ser intersetorial e se estruturar em diálogo social, científico e não marginalizante, com fortalecimento também de ações de investigação e inteligência por parte das forças de segurança pública. Para promover esta mudança, propomos a revogação do Decreto 9761 de 11/4/2019, que institui a atual Política Nacional de Drogas.

Trabalho

O trabalho é uma das principais preocupações dos e das jovens do Brasil, tanto no tempo presente, quanto considerando as perspectivas futuras. Aproximadamente 70% dos jovens entre 18 e 29 anos trabalham ou buscam trabalho e a construção de políticas públicas neste campo precisa considerar tanto as diferenças e desigualdades no conjunto da população juvenil (faixas de idade, origem social, gênero, pertencimento étnico-racial, localização geográfica) quanto a construção de um conjunto amplo e diverso de medidas. A aposta em uma única saída estruturante não responde à complexidade dos problemas da inserção e da qualidade da inserção dos jovens no mundo do trabalho.

As principais modificações no tratamento dessa questão têm sido feitas no campo da legislação, com sucessivas “reformas” e modificações que, na maior parte das vezes, vem retirando paulatinamente os direitos dos trabalhadores, e propiciando a precarização das condições de trabalho, inclusive e especialmente dos trabalhadores jovens.

Nos últimos anos uma série de medidas provisórias, decretos e portarias têm buscado fazer alterações legais para permitir a instituição de formas de trabalho juvenil totalmente fora das normas que protegem o direito dos jovens trabalhadores. Sob a forma de trabalho voluntário, falsos estágios e falsas aprendizagens, e em nome da “empregabilidade”, abrem possibilidades das empresas contratarem jovens de forma mais barata, descartável, insegura, sem os direitos da relação de empregos formais; são formas que violam o modelo de proteção social estabelecido pela Constituição, o princípio da isonomia remuneratória e da não discriminação, e transformam os jovens em uma categoria de “trabalhadores de segunda classe”. Por exemplo, no ano de 2021, após a rejeição da proposição da carteira Verde Amarela, uma série de programas foram apresentados ao congresso (REQUIP, PRIORE) embutidos na MP1045. Felizmente, essas medidas foram derrotadas no parlamento, após muitas lutas das entidades sindicais, organizações da sociedade civil, pesquisadores e movimentos juvenis, mas elas estão sempre sendo repostas em diferentes tipos de medidas, para o que é preciso manter atenção permanente.

Uma dessas propostas embutidas na MP1045 foi reapresentada e aprovada no início de 2022, através da MP 1099, a que estabelece o Programa Nacional de Serviço Civil Voluntário. Tal programa promete a criação de oportunidades de trabalho, mas sem vínculo empregatício, para jovens e pessoas com mais de 50 anos, que receberão capacitação e um auxílio financeiro. Entendemos que essa é mais uma tentativa de liberar a precarização do trabalho dos jovens e recomendamos sua revogação.

A diretriz que precisa ser incorporada na agenda no campo legal é, ao contrário, pela inclusão dos jovens nas medidas de proteção no trabalho e nas ações de combate à precariedade, inclusive nas áreas de novas tecnologias, como as dos trabalhos de plataforma (entre os quais ganha destaque a regulamentação do trabalho dos entregadores de aplicativos).

A aprendizagem profissional, estabelecida e regulada por lei (Lei 10097/2000, regulamentada em 2004), é uma das mais consistentes políticas de inclusão protegida para adolescentes e jovens. Os jovens aprendizes, que podem ter entre 14 e 24 anos (dos 14 aos 16 anos é a única forma legal de inserção laboral, medida criada justamente para combater o trabalho infantil e preservar o caráter formativo da iniciação laboral nessa idade), têm jornadas limitadas (de até 30 horas, caso estejam no ensino médio), carteira assinada, exigência de conciliação com os estudos e todos os direitos trabalhistas assegurados, inclusive o piso salarial da categoria.) Essa política ainda precisa ser ampliada e potencializada, pois muitas empresas não cumprem as cotas de contratação previstas na lei. O número de jovens aprendizes cresceu de 57 mil em 2005 até 450 mil em 2015, depois estacionou e hoje o número de aprendizes é de apenas 45% do que deveria ser. A luta empreendida por aqueles que defendem os direitos de jovens ao trabalho decente e a uma

inserção protegida e formativa dos adolescentes é pela ampliação e potencialização dos contratos de aprendizagem, com condições para a fiscalização do cumprimento das cotas e das condições adequadas de sua realização.

Contudo, essa tem sido outra das áreas sob ataque do atual governo federal: ainda em 2022 foi apresentada uma medida provisória (MP 1116, de 4/05/2022), intitulado Plano Nacional de Inclusão e Contratação de Aprendizes, que na prática inviabiliza a fiscalização e a aplicação de multas às empresas que deixam de contratar aprendizes. Ainda nesse ponto, Decreto no 11.061, de 04/05/2022 (que altera o Decreto no 9.579, de 22 de novembro de 2018, e o Decreto no 10.905, de 20 de dezembro de 2021, para dispor sobre o direito à profissionalização de adolescentes e jovens por meio de programas de aprendizagem profissional) autoriza empresas que atualmente cumprem a cota de aprendizagem a aderirem a um projeto que terá por efeito imediato a desobrigação de contratar aprendizes. Essas medidas de alteração normativa devem ser revogadas.

Com relação aos programas governamentais no tema do trabalho para jovens, reiteramos a perspectiva da necessidade de diversificação das ações. Contudo, ao observarmos as ações atualmente em curso, verificamos uma excessiva concentração do investimento governamental federal em apenas um dos eixos, o da promoção do empreendedorismo. Entre os programas e iniciativas da SNJ, praticamente todos as que estão em desenvolvimento têm esse objetivo: entre esses estão o Programa Horizontes – Juventude Empreendedora, instituído em 2020, com objetivo de fomentar e desenvolver o “empreendedorismo resiliente” e a inovação; o Projeto Amanhã que, ao focalizar jovens das áreas rurais entre 14 e 26 anos visa, para além de inserção no mercado de trabalho, promover práticas de empreendedorismo e associativismo; o programa Espaço 4.0, que é hoje o programa de maior proporção da SNJ (e que consumiu 80% do orçamento da pasta em 2020) e constitui uma ação do eixo tecnológico do Programa Horizontes (implantação de unidades de ambiente criativo de inovação para estimular o aprendizado, proporcionar oportunidade de capacitação técnica, ampliação de habilidades, competências técnicas e socioemocionais para jovens de 15 a 29 anos,) também parece estar centrado na capacitação em novas tecnologias para estimular a inclusão laboral dos jovens via empreendedorismo.

Sem prejuízo da validade de ações desse tipo, o que questionamos é a exclusividade do investimento federal em ações que ofereçam o empreendedorismo como única solução (ou a “mais salutar”) para a resolução dos problemas que os jovens enfrentam no mundo do trabalho. Reiteramos aqui que é fundamental dar centralidade à qualidade do trabalho exercido por jovens e ao combate às formas precárias de trabalho, fortalecendo oportunidades de acesso a trabalho digno e à construção de alternativas de inserção para além do empreendedorismo, fomentando iniciativas que incentivem a organização coletiva, especialmente por meio da economia popular e solidária articulada à inserção no sistema público de seguridade social.

Preocupante, nesse sentido, é o marco conceitual que fundamenta o desenho dessas iniciativas, o Plano de Desenvolvimento de Empreendedorismo e Startups para a Juventude, elaborado e lançado em 2018 pela SNJ em parceria com a SEMPE e o MDIC, como forma de

promover a universalização da educação empreendedora, a redução do tempo de abertura de empresas, o crescimento do “investimento anjo” no Brasil e a difusão do conhecimento das políticas públicas voltadas aos jovens empreendedores. Tal plano tem a intenção explícita de preparar o país, através de uma modificação cultural e principalmente da formação das novas gerações, para o avanço do empreendedorismo baseado na inovação como forma de desenvolvimento econômico e inclusão produtiva.

Recomendamos revisar com muito cuidado tal plano, inclusive investigando quais são as iniciativas e normativas que derivam dele. Não há no texto informações sobre metas e indicadores, nem ações concretas a serem desenvolvidas, mas há sugestões de mudanças legislativas necessárias para avançar nessas pautas: a inclusão da educação para o empreendedorismo como eixo formativo na educação básica e no ensino superior; e mudanças na legislação para tornar mais “flexíveis a contratação e demissão de funcionários”, retirando, assim “empecilhos para o crescimento dos negócios brasileiros”; e alavancar “investidores anjo” desonerando do pagamento de tributos, dando isenção de impostos. Por fim, assinalamos que não há nesse Plano diretrizes ou ações que incidam sobre direitos e proteção no trabalho, qualidade do trabalho realizado, acesso ao crédito e combate à discriminação, nem nenhuma consideração sobre as reivindicações de jovens em diferentes estudos e resoluções das conferências nacionais de juventude.

Nesse sentido, no lugar de um plano de desenvolvimento de empreendedorismo, que reduz a construção de políticas para a situação dos jovens no mundo do trabalho a uma única saída, consideramos que é preciso retomar o Plano Nacional de Trabalho Decente para a Juventude no Brasil. Esse documento foi elaborado entre os anos de 2015 e 2016 e estabelecia, além de um amplo e profundo diagnóstico da situação juvenil no mundo do trabalho, um conjunto diverso de ações, metas e indicadores considerando os eixos prioritários da Agenda Nacional do Trabalho Decente para a Juventude no Brasil: Mais e Melhor Educação; Conciliação Trabalho, Estudos e Vida Familiar; Inserção Ativa e Digna no mundo do trabalho, com igualdade de oportunidades e tratamento; Diálogo Social – Juventude, Trabalho e Educação.

Educação

Com o objetivo de fazer valer o direito à educação de qualidade, pública e gratuita, conforme a LDB (Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996) e o Estatuto da Juventude (Lei no 12.852, de 5 de agosto de 2013), apontamos aqui um conjunto de urgências para que se reassumam as políticas públicas de educação, destacando avanços e recuos sofridos nesses últimos anos. O objetivo é estimular e dar subsídios a debates com representantes dos distintos GTs que conformam o governo de transição e, sobretudo, incidem no campo educacional, como também com órgãos responsáveis pela formulação, implementação, financiamento e avaliação da política nacional de educação ( MEC, Conselho Nacional de Educação, Consed, Undime, INEP, entre outros), na perspectiva de contribuir para a formação cidadã dos jovens brasileiros e praticar uma educação pela qual homens e mulheres

lidem de forma crítica com a realidade e descubram como participar na transformação do seu mundo (Paulo Freire).

Tendo como foco direitos e necessidades das juventudes, iniciamos chamando atenção para as políticas de democratização do ensino superior, combinadas à adoção de cotas sociais e raciais para acesso a essa etapa de ensino. Tais estratégias possibilitaram um processo consistente de ampliação da educação e de combate às desigualdades educacionais, tendo beneficiado milhões de jovens, sobretudo negros, negras, oriundos das camadas pobres da população. Para a retomada dessa agenda e garantia da diminuição das taxas de evasão e repetência, estudos recentes indicam como prioridade não apenas a ampliação daquelas ações governamentais de sucesso, mas, sobretudo, a premente implantação de políticas voltadas para a garantia da permanência (bolsas; moradia; transporte; alimentação; suporte de ordem pedagógica e psicológica e assistência às mulheres mães universitárias), com a retomada imediata do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES (Decreto no 7.234, de 19 de julho de 2010), ampliando, assim, o campo de possibilidades de participação de todos os sujeitos em carreiras científicas no país.

Para garantir a participação dos jovens na universidade brasileira, é urgente a revisão imediata do valor da taxa de inscrição no ENEM e das condições de gratuidade (linha de corte e exigências de comprovação), de forma a garantir o acesso de todos os estudantes ao exame. O ENEM teve uma diminuição significativa de inscrições, não apenas por conta da pandemia, mas em razão da adoção de ações que dificultaram intencionalmente o acesso de jovens, com maior burocratização e limites à isenção das taxas. As maiores quedas de participação se deram entre jovens com renda de até três salários-mínimos e aqueles que se valiam da gratuidade da inscrição.

Outro aspecto prioritário é a necessidade de uma revisão crítica da Reforma do Ensino Médio, tanto da Lei como de sua implementação. Estudos recentes, em especial com gestores, professores e estudantes, têm mostrado um conjunto robusto de dificuldades para sua implantação e desenvolvimento pelas redes públicas. De modo geral, a reforma do ensino médio vem pavimentando um modelo complexo para essa etapa de ensino, onde os principais obstáculos têm sido: 1. a ampliação de um ensino de tempo integral precário, que segue reproduzindo desigualdades entre as escolas e dificultando o acesso à educação de jovens que trabalham ou são responsáveis por cuidados com crianças, idosos etc., revelando-se como um modelo de ensino que não “cabe na vida de muitos jovens”; 2. a negação do acesso ao ensino crítico, com a retirada ou minimização de disciplinas de grande relevância para a formação humana; 3. ênfase em uma capacitação profissional de baixa qualidade, com foco em uma concepção de educação que se limita à “ampliação da produtividade de jovens”, com ênfase no modelo de competências, voltadas à empregabilidade, de modo que a escola se responsabilizaria por desenvolver tais habilidades comportamentais, fomentando um espírito “empreendedor”. Nesse sentido, o diálogo deve considerar a necessidade de revisar o ensino médio, cujos impactos negativos têm sido sentidos e fartamente documentados com evidências relevantes para intervenções qualificadas na gestão pública e na realidade social, sobretudo em taxas de evasão e repetência. Um encaminhamento oportuno seria a criação de

um grupo de trabalho no MEC, a partir de 2023, para conduzir um processo participativo de revisão da reforma do ensino médio.

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) é também um documento de grande impacto na vida de jovens, sobretudo por resultar na reestruturação dos currículos do ensino médio nas suas respectivas redes de ensino, e também deve ser submetida à revisão crítica. É preciso reconhecer que ela não foi fruto de um processo participativo adequado, feita de forma açodada e, em alguns aspectos, bastante impregnada pelas agendas de grupos conservadores para a educação brasileira. Um dos aspectos problemáticos se refere à busca de um controle sobre os comportamentos juvenis, modelando-os de acordo com demandas do mundo do trabalho, que muitas vezes direciona jovens aos postos mais precários, ao invés de ampliar oportunidades e promover um debate com estudantes sobre o acesso a trabalho digno. Um exemplo desse mecanismo está na concepção de competências socioemocionais, que submete o acolhimento de emoções a demandas do mercado de trabalho, adaptando-as a um modelo de avaliação de larga escala, além de buscar promover uma ‘mentalidade empreendedora’ – bastante questionável quanto a seus efeitos práticos no acesso a renda e trabalho pela juventude. Portanto, recomenda-se que seja também submetida a um processo de ampla revisão, garantindo condições efetivas de participação social.

Considerando o índice significativo de jovens que, por distintas necessidades, acabam por concluir sua escolarização na educação de jovens e adultos – EJA, cabe analisar com muita atenção essa modalidade de ensino, que foi absolutamente desprezada pelo último governo, além de ser fortemente afetada pela pandemia de covid-19, com impactos negativos sobre níveis de matrículas, de evasão e de aprendizagem. Pode-se concluir que a pandemia aprofundou, ainda mais, as desigualdades socioeconômicas educacionais com fechamento de turmas, suspensão de convênios com organizações sociais, corte nos subsídios para alimentação, escassez de materiais de higiene, ausência de recursos para subsidiar comunicação a distância ou transporte seguro para docentes e estudantes, material didático. Observa-se a prevalência de contatos por aplicativos de mensagens ou realização de estudos dirigidos com materiais impressos. Foi frequente a adoção da promoção automática, mediante comprovação de algum nível de participação em atividades propostas. Ou seja, um ensino que já trazia profundas marcas de subalternidades se precarizou ainda mais com a falta de suporte do governo federal, instância fundamental no apoio à EJA no Brasil. Agrega-se ao debate da EJA o próprio ensino regular noturno, o qual, no que se refere aos seus sujeitos, mantém as mesmas características da EJA e da educação no campo[m2[MC4] ] , destacando os jovens da área rural. Nessa perspectiva, a retomada da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), que fomentava o pleno acesso à escolarização e à participação de todos os estudantes, com redução das desigualdades educacionais, com equidade e respeito às diferenças, é fundamental.

É urgente priorizar uma rigorosa revisão da situação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem Urbano, que objetivava promover a conclusão da escolaridade básica de jovens brasileiros. O Programa foi amplamente monitorado,

acompanhado e avaliado por um grupo de universidades federais brasileiras, reunindo um conjunto expressivo de evidências, disponíveis em documentos já publicados. O ProJovem se desdobrou em mais de um formato: ProJovem Urbano e ProJovem Campo – Saberes da Terra, com o objetivo de atender a diferentes grupos. Cabe levantar como foram realizados os últimos repasses orçamentários, quais os municípios e estados que ainda desenvolvem a ação e quais as possibilidades de retomada, considerando sua avaliação bastante profícua, inclusive na contribuição de robusta formação sobre juventude para educadores e gestores em todo o Brasil.

Um último aspecto que consideramos prioritário é o debate sobre qualificação profissional para a juventude. Prolifera no país um número enorme e alarmante de cursos de curta duração de qualificação profissional para jovens, muitos deles desenvolvidos por ações indiretas do governo federal, com recursos oriundos de emendas parlamentares ou outras origens, implementados por meio de parcerias com OS, ongs, municípios, estados, igrejas etc. Cabe realizar uma checagem severa desse mecanismo, utilizado amplamente pelo último governo, pois pode estar ocultando uma disseminação de recursos, sem o mínimo de controle e avaliação dessas ações. Estudos têm mostrado que, em sua grande maioria, são cursos de baixíssima qualidade, sem contribuições significativas para a formação desses jovens, pautados muito mais na concepção de preenchimento do tempo da “juventude pobre”. Indica-se a participação de setores do INEP, com vasta expertise no tema, para tal aprofundamento.

Do mesmo modo, os termos da educação profissional e tecnológica de qualidade, integradas ao ensino médio, encontraram no modelo dos Institutos Federais de Educação. Ciência e Tecnologia – IFET um importante avanço. Contudo, desde 2016 foi tomada uma série de medidas que fragilizaram significativamente essa estrutura, comprometendo os compromissos assumidos no Plano Nacional de Educação. Estratégias de atuação importantes a serem consideradas são a ampliação de vagas e a garantia de acesso e permanência de jovens das camadas mais vulneráveis, assim como a formalização de compromisso dos setores produtivos com a sua profissionalização.

Cabe, ainda, chamar atenção para a necessidade de ampla discussão sobre o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em 2011, por meio da Lei no 12.513, com a finalidade de ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira. Considerando os limites de atuação das redes públicas, pode-se pensar em articulações com setores que ampliem as possibilidades de engajamento de jovens brasileiros no mundo do trabalho, com especial atenção para os novos campos de atuação (área ambiental, mídias digitais, ciberespaço etc.).

Por fim, no sentido da extinção de algumas ações que foram implementadas de forma impositiva, sem discussão com amplos setores da sociedade, sugere-se:

1. Revogação imediata do “Programa Nacional de Implantação de Escolas Cívico-militares” (instituído por meio do Decreto No 10.004, de 5 de setembro de 2019).

A militarização das escolas fere os princípios constitucionais da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar; da valorização dos profissionais de educação; da gestão democrática no ensino público, por meio da imposição de padrões de comportamentos, pela limitação do debate democrático e pela restrição de abordagens nas escolas. Lançado em 2019, o Programa obteve adesão de 643 municípios e de 16 estados.

2Invalidação imediata do “Manual de Taxonomia dos Direitos Humanos do Disque 100”, que tem por finalidade enquadrar as denúncias da linha Disque 100 em tipologias criminosas inconstitucionais, como é o caso do sintagma “ideologia de gênero”, que se transformou, no referido Manual, em uma tipologia criminosa referida à violência institucional. Neste sentido, o Manual colaborou com a criminalização de abordagens de igualdade de gênero nas escolas, reorganizando denúncias em ataques a professores e professoras em seu pleno exercício docente. O Manual foi objeto de ações no STF por parte de entidades de sociedade civil contrárias a tais retrocessos (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 942). É necessário aprimorar o Disque 100 como um dos instrumentos de promoção de direitos humanos, garantindo maior transparência dos dados e melhor eficácia no pacto federativo com estados para que os encaminhamentos de denúncias encontrem seu destino correto.

3. Revogação dos pareceres do Conselho Nacional de Educação CEB/CNE no 6/2020 e no 1/2021, que tratam da oferta da educação de jovens e adultos, e fim do desmonte das políticas de EJA, operado por meio do fechamento de escolas e de turmas e da diminuição de matrículas, subsistindo apenas as alternativas de certificação em exames, para cuja preparação restam aos candidatos poucas opções que não os cursos a distância (inapropriados para as pessoas com limitado acesso às TICs e que não possuem autodidaxia), cuja expansão recente denota uma tendência à privatização. A consequência desse esvaziamento é o acirramento das desigualdades internas ao sistema educacional brasileiro, devidamente diagnosticado por estudos e pesquisas educacionais, que o PNE pretende reduzir. É preciso reverter tal trajetória, resgatando a educação de pessoas jovens e adultos como direito humano, bem comum e responsabilidade pública, tal como assinalado nas leis nacionais e nos compromissos internacionais de que o país é signatário. Há que considerar que a EJA adquire na atual conjuntura uma nova função social, oferecendo uma porta de reingresso no sistema educativo e de retomada de aprendizagens para muitos jovens e adultos que tiveram que abandoná-lo ou não lograram aprendizagens relevantes durante a pandemia de covid-19. 72 Tais desafios exigem o restabelecimento de espaços de diálogo e negociação intergovernamental, com a participação da sociedade civil, em especial reativando a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), com vistas à construção de uma política nacional de educação e aprendizagem ao longo da vida que, no âmbito da alfabetização e educação escolar de jovens e adultos, considere sua história, relevância e especificidades. Impõe-se também a revisão da inserção da modalidade EJA na BNCC, produzindo diretrizes que considerem as especificidades da modalidade e as necessidades de aprendizagem da população que a ela tem direito, sendo suficientemente abertas ao desenvolvimento curricular nos estados, municípios e centros educativos, conforme as singularidades dos territórios e subgrupos sociais atendidos.

4. Revogação do decreto da Política Nacional de Educação Especial (Decreto 10.502 de 30/09/2020), que promove a segregação de estudantes com deficiência.

5. Revogação da Portaria no 545, de 16/06/2020, que revogou a portaria 13/2016, que trata das ações afirmativas na pós-graduação.

6. Retomada e atualização do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação para as Relações Étnico-Raciais e implementação das Diretrizes de Educação Escolar Indígena e das Diretrizes de Educação Escolar Quilombola.

Saúde

O tema da saúde ganhou um novo patamar no horizonte de preocupações dos jovens brasileiros. Por diferentes levantamentos, os jovens apontam a área como uma prioridade, tanto na dimensão do cuidado individual quanto aos problemas de saúde que atingem a coletividade; reafirmam que não há como prescindir de políticas públicas na prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde em sua integralidade.

Um alerta fundamental é de que qualquer consideração a respeito das políticas de juventude com enfoque na saúde deve diferenciar os universos etários distintos. Nas práticas sociais, intelectuais e técnicas do setor não é incomum mensagens difusas que confundem necessidades, muitas vezes homogeneizando a juventude na categoria adolescente, sob a qual há mais acúmulo. Dessa forma, é preciso considerar as faixas etárias mais elevadas (18 a 29 anos) ao tratar de políticas de saúde para juventude.

A transversalidade característica das políticas de juventude alcança a saúde, ela mesma também reconhecida por seu forte viés intersetorial. De forma que é preciso reconhecer dois aspectos dessa transversalidade e intersetorialidade: 1) as políticas estritamente da área da saúde focadas no fortalecimento do SUS; ii) as políticas referidas a sujeitos em suas especificidades (gênero, raça, LGBTs, indígenas, pessoas com deficiência). Ambos impactam na atenção à saúde dos jovens, de forma que qualquer estratégia ou política voltada ao segmento juvenil na interface com a saúde deve considerar essa perspectiva na formulação, implementação, monitoramento e avaliação.

Temas relevantes já constam em documentos de referência e continuam a merecer a atenção: saúde sexual e reprodutiva, violência e saúde e o uso abusivo de álcool e outras drogas estão descritos no Estatuto da Juventude e nas Diretrizes Nacionais de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens. Entretanto, os avanços na última década sobre a compreensão da condição juvenil contemporânea ampliam o olhar sobre a situação de saúde dos jovens brasileiros, exigindo considerar outros temas a serem tratados.

No último ciclo de gestão do governo federal, as políticas sociais e de seguridade fundamentadas na garantia de direitos sofreram ataques e impactaram sobremaneira a

juventude. Com relação à saúde, as ofensivas contra o SUS, as políticas de educação, informação e comunicação, as dificuldades de acesso a insumos, e os retrocessos nas políticas de saúde mental merecem especial atenção.

· Saúde sexual e reprodutiva

Ao instituir uma agenda de costumes baseada em conservadorismo e negacionismo, o governo Bolsonaro interdita o debate acerca de informações para a promoção da saúde relevantes para o público jovem. Em 2019, em live realizada em seus canais de comunicação, o atual presidente manifestou-se publicamente contra a caderneta de saúde do/da adolescente em função do material conter informações sobre métodos contraceptivos e uso de preservativos. Ordenou a interrupção da distribuição do material feito pelo Ministério da Saúde.

O Plano Nacional de Prevenção Primária do Risco Sexual Precoce e Gravidez na Adolescência (instituído no decreto 11.074/22), elaborado pelo Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, centra uma abordagem na erotização e na gravidez precoces, desconsiderando outros fatores sociais, econômicos e culturais envolvidos na gravidez juvenil. A combinação entre a interdição da informação com o moralismo impresso no trato de temas relativos aos direitos sexuais e reprodutivos impede o acesso de adolescentes e jovens aos insumos necessários para a prevenção da gravidez e de infecções sexualmente transmissíveis. É necessário revogar este plano, ou fazer uma profunda revisão incluindo suas fontes orçamentárias.

Outra política reduzida no atual governo foi o rebaixamento institucional do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis e do HIV/Aids para uma coordenação em outra estrutura no organograma do Ministério da Saúde. O rebaixamento implicou redução de estratégias e ações de prevenção dirigidas à população jovem, visto que a área passou a ter menor capacidade técnica, com menos pessoas e recursos, além de dificuldades em operacionalizar ações intersetoriais. Frisa-se que isso ocorre em um contexto de maior incidência do HIV entre jovens desde 2020. Em outubro de 2022 o governo opera um corte orçamentário que afeta a distribuição de medicamentos para pessoas vivendo com HIV/Aids.

· Saúde mental e o uso abusivo de álcool e outras drogas

As investidas do governo Bolsonaro contra as políticas de saúde mental estão sendo denunciadas tanto por setores da sociedade civil especializada no tema, quanto pela oposição no âmbito do legislativo. Têm destaque medidas voltadas para fortalecer as comunidades terapêuticas em detrimento de uma política estruturada com os equipamentos próprios na área de saúde mental, criados a partir de uma abordagem antimanicomial e de promoção da saúde.

A portaria 3.449/18, instituiu um comitê com a finalidade de consolidar normas técnicas, diretrizes operacionais e estratégicas no contexto da política pública sobre o álcool e outras drogas, que envolvem a articulação, regulação e parcerias com organizações da

sociedade civil denominadas Comunidades Terapêuticas. É preciso, pois, revogar esta portaria se ainda estiver ativa e mapear os relatórios deste comitê com vistas a rastrear as decisões tomadas a partir de seus trabalhos.

É preciso também a revogação da portaria 596/22 que além de instituir aporte de recursos às comunidades terapêuticas, na contramão da luta antimanicomial, revoga uma série de instrumentos normativos sobre a política de saúde mental baseada em direitos, pactuados ao longo dos anos de construção dessa política.

1.

Outros temas e pontos de atenção para o próximo ciclo do governo federal

Reinstitucionalização da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem no Ministério da Saúde. Esta área estava localizada na Secretaria de Atenção Primária à Saúde/ Departamento de Ciclos de Vida do Ministério da Saúde e foi surpreendentemente desmontada no atual governo. Sem ela, não há articulação possível que defina diretrizes e estratégias claras para responder às necessidades e demandas cada vez mais complexas dos jovens relativas à sua saúde. Uma área específica contribui não apenas na formulação das políticas, programas e ações, em diálogo com a sociedade civil, mas também no desenho de ações intersetoriais com outras pastas.

Política Nacional de Saúde Integral da População Jovem. Diante da análise de situação de saúde desta população, é preciso um escopo amplo de normativas sobre a integralidade em saúde dos jovens com base nos princípios operacionais do SUS. Por isso, é insuficiente documentos onde constam apenas diretrizes. A reativação de um debate sobre uma Política Nacional de Saúde para Juventude, conforme existente sobre outras populações, torna-se imprescindível.

4. Saúde mental. Além do que já foi exposto, é preciso reconhecer os diferentes recortes técnicos necessários nessa agenda para compreender as causalidades, os agravos e a atenção para as distintas faixas etárias.

5. Saúde e Trabalho. Deve-se acompanhar as recomendações da Agenda do Trabalho Decente para Juventude, que preserve a saúde de jovens empregados na conciliação de suas jornadas de trabalho, estudo e vida familiar. É igualmente fundamental uma análise da situação de saúde de jovens trabalhadores que aponte com mais acuidade a forma pela qual estão sendo fortemente afetados pelos impactos do desemprego, informalidade, intermitência e precarização na sua saúde física e mental no atual mundo do trabalho.

Atenção primária à saúde. A estratégia de linhas de cuidado para jovens deve ser valorizada, tendo em conta a qualificação dos profissionais para as demandas que chegam aos equipamentos de saúde por parte dos jovens. Têm lugar ações de educação em saúde e de aproximação da população jovem aos serviços. Experiências de implementação dessa estratégia vêm sendo desenvolvidas nas Redes de Atenção em Saúde do Estado de São Paulo e da cidade do Recife.


Andre Sobrinho – Coordenador da Agenda Jovem Fiocruz, integrou o Conjuve (2010-2012) e foi consultor da Secretaria Nacional de Juventude (2013).

Anna Luiza Salles Souto – pesquisadora do Instituto Pólis, integrante de vários projetos desenvolvidos com juventudes e de estudos sobre o segmento juvenil.

Eliane Ribeiro – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Integrou o Grupo Responsável pelo Sistema Nacional de Monitoramento e Avaliação do ProJovem Urbano; colaborou no grupo de discussão para elaboração do Programa Estação Juventude; participou da Sistematização da Conferência Nacional de Juventude de 2011.

Fernanda C. Papa – Consultora regional da União Europeia. Integrou a Secretaria Nacional de Juventude (2012-2014) como coordenadora do Plano Juventude Viva.

Felipe da Silva Freitas, militante do PT e integrante da Equipe de Transição do Governo do Estado da Bahia. Foi presidente do Conselho de Juventude do Estado da Bahia (2010 – 2011), coordenou o Plano Juventude Viva pela SEPPIR/PR (2012 a 2014).

Gabriel Di Pierro Siqueira – coordenador da Área de Juventude da Ação Educativa

Helena Wendel Abramo – Napp Juventude FPA. Integrou a Secretaria Nacional de Juventude entre 2011 e 2016 (coordenando o Programa Estação Juventude) e o CONJUVE entre 2005 e 2006.

Maria Carla Corrochano – Professora da Universidade Federal de São Carlos. Pesquisadora do CNPq. Coordenadora do GT Sociologia da Juventude da SBS. Foi consultora da OIT para elaboração da Agenda e do Plano Nacional de Trabalho Decente para Juventude do Brasil.

Maria Virginia de Freitas – Ação Educativa / Integrou o Conjuve (2005-2009), tendo sido vice-presidente em 2008.

Paulo Cesar Rodrigues Carrano – Professor e Coordenador do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense – UFF. Pesquisador do CNPq. Integrou o Conjuve (2005-2006). Coordenador do Portal Ensino Médio EMdiálogo – Parceria da Secretaria de Educação Básica do MEC com rede de universidades federais (2009-2016).

Regina Novaes – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO e pesquisadora do CNPq. Foi Secretária Nacional de Juventude-Adjunta, presidente do Conselho Nacional de Juventude (2005-2007) e integrante da equipe de colaboradores do ProJovem Urbano.

Renato Almeida – Ação Educativa / Ex-coordenador do VAI – Programa para a Valorização das Iniciativas Culturais, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Tauá Pires – Coordenadora de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil. Integrou a Secretaria Nacional de Juventude entre 2012 e 2013.

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