É máquina velha. Não dá pra ver, menino!


Recuperei minhas câmeras analógicas, fotografei nos últimos dois anos e agora libertei as imagens dos filmes. Foi surpresa boa!  

#fotografia #fotografiaanalogica

Os meninos admiram uma pipa colorida no calçadão da praia de Icaraí. A imagem chama minha atenção e peço para fazer uma foto. Exibem a pipa e posam orgulhosos para a foto. Assim que baixo a câmera, correm em minha direção e pedem para ver a foto. Ficou boa, tio? Um deles pergunta. A fotografia foi feita com a Pentax K1000, minha máquina analógica e, sim, a imagem fotografada ficou retida no filme a espera da revelação. Fiquei diante de um problema e precisei explicar que “era máquina de filme” e só depois da “revelação” é que daria para saber se a foto ficaria boa ou não. A explicação foi inútil. Pô, tio! Deixa a gente ver, insistiu o outro menino ao mesmo tempo em que buscava a “tela” que, deduziu, teria de estar na parte posterior da câmera. Tentei outra explicação dizendo que dentro da câmera – apontei para a tampa traseira – tem um filme que “copia” as imagens que a gente clica. Depois de umas 30 fotos eu levo num laboratório para “revelar” e a gente consegue ver o que fotografou. Abre aí pra gente ver, agora. Insiste um deles. Eu já não conseguia pensar numa outra, digamos, desculpa inteligível quando uma mulher que acompanha os garotos grita da areia da praia: “Deixa o moço. É máquina velha. Não dá para ver não, menino!”. Os meninos entendem o recado e se afastam. Levam a pipa e uma expressão no rosto que era um misto de decepção e incompreensão sobre porque raios alguém sai por aí “fotografando” com um máquina velha que não deixa ver as fotos que finge fazer.  

Dá para dizer que essa história dos meninos e da “máquina velha” é expressão de uma distância geracional. Distância entre quem ainda se permite conviver com imagens memórias que adiam a sua revelação na verdadeira cápsula do tempo que é o filme analógico e aqueles nascidos num mundo digitalizado onde imagens nascem com a vocação da visibilidade imediata e do compartilhamento em redes. Para os meninos da pipa bonita, ou a fotografia é digital ou não é. Essa é a experiência visual que possuem. Ver a foto imediatamente é ter acesso ao documento que comprova que algo aconteceu. Daí a frustração com a “máquina velha” que não permite que se veja o acontecimento. 

Reflexo no espelho d’água nos jardins do Cemitério do Caju – Rio de Janeiro. Fotografia: Paulo Carrano. Câmera Pentax HONEYWELL – Spotmatic.

Com Boris Kossoy reconhecemos o princípio do tempo fotográfico que se refere a um objeto ou evento registrado em uma fotografia, que é interrompido em seu fluxo e mantido congelado no tempo. A fotografia serve como uma memória do passado, permitindo que os personagens e eventos permaneçam no presente das representações de forma atemporal (KOSSOY, B. 2020: 35)*.

***

Em julho de 2021, ainda em meio à pandemia, levei minhas duas “câmeras velhas” para limpeza e manutenção com um dos poucos técnicos que ainda consertam e renovam câmeras analógicas em nossa cidade de Niterói. O desgaste dos materiais já cobrava a fatura de equipamentos fabricados entre os anos de 1960 e 1970. A Asahi Pentax Spotmatic foi lançada em 1960 e a Pentax K1000 em 1976.

Madrinha e afilhada em abraço na pandemia de Covid-19. Fotografia: Paulo Carrano. Câmera Pentax K1000 – ASAHI.

Máquinas retornadas da oficina, adquiri cinco filmes coloridos da Kodak – ISO 400. Tentei adquirir o bom e velho ISO 100, mas nada de encontrar. Recomecei a fotografar alternando o uso das duas referidas máquinas. Fotografei em viagens de lazer, em manifestações políticas, em paisagens perto e longe de casa, em cenas do cotidiano pandêmico, em andanças casuais pela cidade, dentre outras oportunidades nas quais julguei relevante fotografar com as “câmeras velhas”. Importante dizer que no mesmo período, como qualquer ser humano normalmente digitalizado, fiz uma infinidade de fotografias com o celular e também com outras câmeras digitais. Mas, era com as analógicas que assumia o tempo lento do registro fotográfico e a escolha criteriosa do que fotografar. O fato de os fotômetros das duas câmeras não funcionarem, mesmo depois da manutenção, criou também um estado de vigilância particular que me levava a pensar com mais cautela sobre o equilíbrio entre exposição, abertura e velocidade considerando o imutável ISO 400 que, em sua maior sensibilidade, sempre me lembrava que qualquer desequilíbrio poderia produzir a superexposição daquilo que viria a fotografar. 


  • KOSSOY, Boris. O Encanto de Narciso: reflexões sobre a fotografia. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2020.
Categorias:Ensaios FotográficosTags:, , ,

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: