Um espaço para a experimentação – Entrevista com Saskia Sassen


Saskia Sassen

A globalização faz parte da vida da socióloga Saskia Sassen. Não apenas por ser o principal tema de seus estudos, mas também por ter nascido na Holanda, crescido na Argentina e na Itália, estudado na França, começado sua carreira nos Estados Unidos e ter sido educada em cinco línguas. Atualmente, Saskia Sassen é professora da Universidade de Columbia, em Nova York, onde também lidera o Comitê sobre Pensamento Global. Autora do livro Sociologia da globalização, publicado no Brasil em 2010 pela Artmed, Saskia é uma das conferencistas do projeto Fronteiras do Pensamento e estará em Porto Alegre no dia 24 de agosto e em São Paulo no dia 26.
Também está lançando um novo livro e já planeja o próximo, no qual pretende abordar as atuais migrações, que considera desastrosas: no Mediterrâneo, da América Central para os Estados Unidos e da costa da Indonésia, Malásia e Formosa. “A pergunta básica que eu faço é se a linguagem da imigração que desenvolvemos durante o último século é útil para captar o que está acontecendo. E minha resposta é não, não é”, explica. “Estamos testemunhando um novo desdobramento, uma forma de expulsão radical. Essas quase nem são migrações. Esses são os indesejados.
E o pensamento horrível é que este pode ser apenas o primeiro passo nesse novo processo”, alerta.
Nesta entrevista, realizada por e-mail antes de sua chegada ao Brasil, a socióloga fala sobre globalização e suas implicações para a educação. “A escola deve ser um grande laboratório para que esses futuros adultos sejam mais sábios, mais inteligentes, mais bem-sucedidos”, afirma. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista e conheça melhor o trabalho de Saskia Sassen no site www.saskiassassen.com.

Como a globalização afeta nossa relação com o espaço?
Talvez seja importante primeiramente explicar como eu vejo a globalização, em parte porque a imagem geral continua sendo a de que ela é algo além de um país, de um lugar. Isso então significa que, do ponto de vista das crianças na escola, ela é algo remoto. Precisamos perguntar o que estamos tentando designar com a palavra “globalização”. Em minha leitura das evidências, trata-se, na verdade, de dois conjuntos de dinâmicas distintos. Um deles envolve a formação de instituições e processos explicitamente mundiais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), os mercados financeiros mundiais, o novo cosmopolitismo e os tribunais de crimes de guerra. No entanto, existe um segundo conjunto de processos que não se propagam em âmbito mundial, mas eu defendo que eles fazem parte da globalização.

Que processos são esses?
Esses processos ocorrem profundamente em territórios e instituições que foram em grande medida construídos em termos nacionais, mas não em todo o mundo. O que os torna parte da globalização, ainda que estejam localizados em ambientes nacionais, realmente subnacionais, é que eles envolvem redes e formações que cruzam fronteiras, as quais conectam ou articulam múltiplos processos e atores locais ou subnacionais. Em meu trabalho, pretendi focar especialmente nesses segundos tipos de processos. Em suma, mesmo estudantes jovens que não podem viajar sozinhos podem estar em um espaço globalizado, ou podem envolver-se com o global, porque grande parte dele está constituída.

De que modo a globalização causa impacto à educação de nossas crianças?
De muitas maneiras diferentes, dependendo de onde a criança vive ou estuda, a que programas de televisão ela assiste, e assim por diante. Isso, por sua vez, gera noções de espaço diversas. E, se uma criança já está conectada, o espaço torna-se um acréscimo muito específico em sua vida, embora não necessariamente associado de forma direta à globalização.

Afirma-se que a escola deve formar cidadãos que sejam capazes de conviver em um mundo globalizado. Em sua opinião, que cidadãos são esses e que tipo de competências eles devem ter? 
O modo expandido de compreender a atual era de globalização que eu descrevi antes fornece a professores e estudantes um embasamento muito mais forte para envolver-se com a globalização do que abordagens que supõe que a globalização só acontece em escala mundial. Isso também significa que educadores e pesquisadores podem começar a envolver-se com a globalização a partir do conhecimento e das literaturas com as quais trabalham há muito tempo e nas quais se sentem fortes. E eles podem envolver-se a partir de alguns elementos contidos na vida diária dos estudantes, mesmo estudantes jovens — não é preciso viajar para o exterior para ter uma experiência da globalização: ela pode estar bem ali na cidade onde eles vivem.

No mundo contemporâneo, as grandes cidades concentram problemas como marginalidade, violência, falta de infraestrutura, poluição e mobilidade, entre outros. Como podem tornar-se um bom lugar para que crianças e jovens vivam e sejam educados?
Você tem toda a razão em tudo o que mencionou. Mesmo assim, uma criança pobre em uma favela relativamente funcional em uma cidade pode ter mais oportunidades para uma vida melhor do que uma criança em um povoado pobre onde todos são igualmente pobres e vivem em um espectro estreito da realidade.
Como a senhora vê os centros urbanos?
Ao tratar de uma categoria densa como “cidade”, devo sobretudo retirar-me dela. Quando faço isso, estou em condições de dizer que a cidade, especialmente se globalizada, é um sistema complexo, embora incompleto. Nessa mistura de complexidade e incompletude reside a capacidade de uma cidade de durar mais do que outros sistemas mais formais e poderosos, porém fechados: uma megacorporação, por exemplo, ou um governo, um complexo comercial ou um condomínio fechado. Importante em minha análise é o fato de que é nas cidades que aqueles sem poder conseguem fazer uma história, uma cultura, uma política — eles não realizarão essas potencialidades em um centro comercial particular. Em vez disso, é necessário haver a energia anárquica, complexa, efervescente de uma cidade. Uma cidade é muito mais do que mera densidade: um centro comercial é denso, mas não é uma cidade. Esse é o lado bom das cidades globalizadas. Além disso, uma cidade que funciona tende a fazer uma triagem dos conflitos através do cívico e do comércio. Em contraste, um governo nacional militariza com muito mais facilidade sua resposta ao conflito. Por mais que sejam desiguais e inseguras, as cidades são grandes espaços, repletos de talento e opções surpreendentes, ou opções que fluem em direções imprevistas.

Poderia dar um exemplo?
Pense em comunidades imigrantes pobres: elas podem fazer uma economia em seus bairros e uma cultura — sua música, sua comida, seu humor. As crianças que crescem em uma cidade experimentam uma imensa faixa de diferenças e, em cada extremo, estas são problemáticas — os filhos dos super-ricos e os filhos dos muito pobres. Porém, na grande faixa intermediária, a cidade grande oferece oportunidades que uma criança não encontrará em nenhuma outra parte.

Como a organização do espaço escolar pode influenciar o desenvolvimento e a eficiência das crianças na aprendizagem?
É difícil generalizar a esse respeito, dada a variedade de estudantes e escolas. Por essa razão, focarei apenas em um aspecto com o qual estou familiarizada: o caso de estudantes imigrantes. As pessoas, de modo geral, embora talvez não necessariamente os professores, supõem que crianças imigrantes estarão mais interessadas em questões mundiais. Não podemos fazer tal pressuposição ou forçá-las a focar em questões mundiais apenas porque estão crescendo em famílias imigrantes e, por isso, falam dois idiomas. Sua pergunta é importante, e aqui estou respondendo a somente um pequeno aspecto dela: crescer em uma família internacional (p. ex., imigrantes) não significa necessariamente que elas estarão mais interessadas em questões mundiais!

Crianças e adolescentes passam grande parte do seu tempo na escola. O que é necessário para lhes oferecer um espaço escolar que torne seu tempo produtivo e agradável? 
Mais uma vez, permita-me focar em uma questão específica, dada a enormidade da questão criada por essa pergunta. Eu fui uma estudante imigrante. Eu testemunhei a posição estratégica dos professores diante do número crescente de alunos estrangeiros e imigrantes em nossos sistemas educacionais. Contudo, em minha opinião, supor que estudantes imigrantes automaticamente têm um interesse pela globalização é injustificado. Ter esse histórico internacional é de grande valor para compreender o mundo globalizado de hoje, mas isso não define o que eles querem abordar na universidade. Os professores devem capacitar os alunos a seguirem sua imaginação, sua curiosidade, seus interesses.

Que tipo de organização espacial na escola estimula a inclusão dos jovens no mundo em que vivemos? 
Essa é uma questão imensa. Para dar uma resposta bem curta: use o tempo escolar não apenas para aprender os fundamentos, mas também como um espaço em que os jovens alunos possam experimentar aquilo no que estão interessados. Torne a escola um espaço para experimentação — e, com isso, não quero dizer que “qualquer coisa serve”. Para começar, proponho uma interação muito mais delicada entre a sabedoria e o conhecimento de um professor e a curiosidade de um aluno. Depois disso, torna-se bem mais complicado.

A senhora está no Brasil em agosto para uma conferência sobre “Como viver juntos”. Em um cenário mundial que agrava a intolerância, baseada em fatores econômicos, étnicos e religiosos, qual é o papel da escola nessa resposta?  
Este é, sem dúvida, um grande desafio. A escola realmente importa, porque é o lugar onde convivem muitos tipos diferentes de crianças, com experiências familiares muito diferentes e, muitas vezes, de nacionalidades e culturas étnicas diferentes. A escola deve ser um grande laboratório para que esses futuros adultos sejam mais sábios, mais inteligentes, mais bem-sucedidos quanto a se sentirem à vontade, a confiar naqueles que são muito diferentes de nós. Isso coloca uma imensa carga sobre os professores, que estão ali para ensinar uma matéria específica, não para consertar o mundo.

Crédito de Imagem:
Foto: Yunus Ergan

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