Enfim, só! Ou por que me abstive de votar pelo fim ou pela continuidade da greve na UFF.


Campus do Gragoatá, UFF.  Foto: Paulo Carrano

Campus do Gragoatá, UFF.
Foto: Paulo Carrano

Niterói, 09.06.2015

Nesta data, numa acirrada e animosa assembleia docente me abstive de votar pelo fim ou continuidade da greve em minha universidade. Fui único voto em universo de quase 400. E assim foi o resultado: favoráveis à continuidade da greve, 217 votos; contrários, 168. O doido, eu.

Pensei em declarar o voto solitário na própria reunião. Mas, como dizia, a assembleia estava acirrada e animosa. Faço agora, então, a declaração das razões de minha abstenção.

É preciso dizer algo sobre a votação da continuidade da greve. O grande número de professores presentes e também estudantes interessados no desfecho da assembleia lotou o auditório. Prudentemente, fomos todos para a área externa do campus Gragoatá, sob os pilotis de um dos blocos. Esta mobilização foi interessante. Corpos agitados. Desconfianças mútuas sobre intenções de voto: “Pronto, a direita veio em peso para acabar com a greve”; “Olha lá, aquela trabalha na reitoria, o reitor mandou vir votar contra a greve”; “Não dá! Greve não resolve nada, já deu o que tinha que dar”…

Sacou o clima? Inscrições para fala encerradas. Revezam-se os oradores. Uma tônica nas falas, além das já esperadas argumentações contra ou favor da greve, foi a acusação mútua entre lados em disputa sobre quem estaria sendo mais desrespeitoso com a diferença de pensamento e mais agressivo na rejeição dos argumentos contrários. Um colega denuncia a agressão vil que os que votaram contra a greve sofreram na assembleia da semana anterior: “Fascistas!!!”, sim, gritou a intolerante professora. Uma colega acusa: “Aqui na assembleia tem professor financiado, bolsista do CNPq”. “Presente”, gritei da multidão, e ato contínuo levantei o braço me acusando; “e bolsista da Faperj também”, completei a confissão.

Seguem sacando o clima da assembleia docente?

Neste contexto, a mesa coordenadora tenta organizar: “Vamos votar. Os favoráveis à continuidade para cá”; os contrários à greve para lá”… Os dois grupos se fuzilam com olhares. Por um momento pensei no filme Gangues de Nova York.

Na assembleia anterior também votei pela continuidade da greve por considerar que deveríamos seguir (passamos do ponto de retorno, comentei), ainda que não tivesse votado por sua deflagração. Jogo jogado. Em greve estamos e não via motivo para sair que não significasse derrota antecipada de greve frágil local e nacionalmente.

Hoje, decidi por votar pela continuidade da greve e me dirigi para o lado esquerdo, o dos “bons” – a bem da verdade, o “outro lado” também parece se considerar “bom, certo e justo”. Lá encontrei pessoas em que confio, gente valorosa, docentes dedicados, pesquisadores, pesquisadoras, sindicalistas sinceramente motivados; olhei, então, para a outra margem do vale de discórdia que a proposta de divisão produziu. E não é que encontrei também gentes de valor? Colegas reconhecidos por sua excelência acadêmica, experientes militantes de outras greves, parceiros de projeto de pesquisa e extensão, mas não convencidos da oportunidade de parar neste momento ou de se seguir em greve. Triste e frágil divisão.

É bem verdade que enxerguei exemplos de coisas que condeno na universidade em ambos os lados. Num canto, entoando palavras de ordem, um “colega” com processo administrativo por absenteísmo; outro que foi pego em flagrante por quebrar a dedicação exclusiva; no outro lado, um quase pequeno-empresário docente-universitário imbuído do espírito empreendedor e, talvez, incomodado com uma greve que atrapalha suas atividades.

E como são enganosas as águas turvas que correm neste vale da discórdia universitária!

Esta divisão física de lados fez aumentar a temperatura. Ofensas, suspeitas declaradas em alto e bom som. Me respeita pra cá, não me ofende pra lá. Um ex-reitor, agora retornado ao mundo dos comuns, se dirige para votar e recebe de pronto: Pelego! Reagiu com fair play, o antes magnífico; melhor assim.

Enfim, penso que tive um alumbramento, não como aquele primeiro de Manuel Bandeira ao ver a moça nuinha no banho, mas foi quase: “e se eu for para o meio do vale da discórdia, declarando minha incapacidade de decidir?” E foi isso que fiz.

Minha abstenção foi deslocada do objeto do voto. Em verdade, me abstive não por dúvida sobre o sim ou o não à continuidade da greve. Me ausentei das margens por me sentir incapaz de contribuir para o aprofundamento do fosso de intolerância mútua em que esta greve se transformou em nossa universidade. Desembarquei, sim, da nossa coletiva incapacidade de diálogo.

Sinceramente, não enxergo outro desfecho para este processo além do acirramento das posições e da intolerância com as diferenças, das profundas e também das nuançadas. Enxergo a animosidade em nosso convívio alimentada pelo encurtamento das análises amplas sobre nossa agenda política e conjuntura nacional e não apenas por existirem diferentes interpretações sobre a greve. Há uma sensível perda da dimensão histórica que leva muitos a não reconhecer que a universidade pública brasileira vive crise de financiamento, mas que muito desta crise é de crescimento e democratização do acesso aos mais pobres ao nicho social, cultural e acadêmico negado por nossas históricas e estruturais desigualdades. Há risco de sucateamento da universidade? Sim, existe. O que fazer? Temos como alternativa somente a greve longa, flácida e desgastante? Tenho dúvidas.

A narrativa do caos e o aplainamento da História parece ser produtiva aos vendedores de ilusões.

É bem verdade que há uma pauta local de enfrentamento dos graves problemas estruturais da universidade pública, em geral, e da administração de nossa IES, em particular; e isso pode sustentar a mobilização, mesmo em quadro de tamanha divisão interna. De toda forma, o que se tem visto são assembleias destituídas daquela profundidade analítica e da complexidade de interpretações que o país exige e o movimento docente já experimentou.

A se aprofundar o clima político de hoje teremos uma sequência de reuniões marcadas pelo instável equilíbrio de maiorias ocasionais pela continuidade ou interrupção da greve; pela greve ou não greve nas universidades federais, pura e simplesmente; ou pelo desejo de uma abstrata greve geral de todos os trabalhadores, tal como já se entoou tantas vezes em assembleias.

Pego-me, contudo, pensando se não fui acometido por um surto de moderação em momento tão grave de nossa greve. Preciso cuidar disso. Pois, afinal:

 A moderação é uma coisa fatal (…). Nada tem mais sucesso do que o excesso. Oscar Wilde

Prof. Dr. Paulo Carrano

Associado I da Universidade Federal Fluminense

Bolsista Produtividade do CNPq

Cientista do Nosso Estado – FAPERJ.

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5 comentários

  1. Me senti totalmente representada! Não fui à Assembléia ontem, por algo contingente, mas na última, este clima já existia e, a bem da verdade, em 2012 não foi tão diferente assim, com a vantagem da greve ser nacional. Seu relato e posição, coincide com o meu receio e de uma amiga que, há pouco, conversando por celular, expusemos. Não te conheço pessoalmente, mas, sim, virei fã. Grande abraço, Denise Tavares – professora do Departamento de Comunicação Social do IACS.

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  2. Estimado Carrano, suas considerações são mais do que pertinentes e em muito compartilho. Guardadas as especificidades, tenho as mesmas preocupações no que diz respeito à UERJ. E essa universidade que agora recebe esses setores desafortunados por não falar três línguas, como sofre. Acredito que é preciso enxergar, nesse desafio, possibilidades de recriação de sentido do fazer universitário, inspirado e encarnado na vida e nas práticas sociais. As divisões internas criam abismos e não pontes para o encontro. As greves algumas vezes cumprem esse papel e aí perdemos todos.
    Meu abraço.
    Santana – FFP-UERJ

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  3. Caro Carrano, teria muitos pontos para dialogar com você, mas não farei isso por essa via. Apenas quero registrar que o que falei na AG não foi o que você relata aqui, inclusive sugiro que você pegue a filmagem e veja exatamente minha fala. Eu não falei “aqui nessa assembléia tem professor financiado, bolsista do CNPQ”. É uma pena que a animosidade do momento não tenham te permitido de fato escutar o que falei. Eu disse, e você pode verificar na filmagem, ” vocês sabem quantos professores bolsistas do CNPq tem essa universidade?”, nesse momento você levantou a mão. Eu continuei minha fala dizendo ” não chegam a 300 entre os 3500 professores da UFF, por que isso não será para todo mundo”. Eu quis sim denunciar o modelo de universidade que não é para todos, que dificulta que professores não pesquisadores cheguem ao topo da carreira, hierarquizando conhecimento e TB professores. Até por que, como você diz, nos ” nos dois lados” temos pesquisadores CNPQ. Certamente, aquele que você considera ser o “meu lado”, tem muito menos pesquisadores CNPQ do que o ” lado de lá “, mas isso não se deve a nossa incapacidade intelectual mas sim a nossa prioridade politica e de estudo.
    Certamente o acirramento dos ânimos é muito ruim. Não acredito que aquele deva ser o ambiente universitário, por outro lado, como a universidade não paira sobre a sociedade, ao contrário é produto das relações sociais, é normal que os distintos projetos de sociedade também aí se enfrentem. Acredito que não contribui para o debate fingir que não existem projetos universitários em disputa, existem e eles tem que ser explicitados. Como a vida não deve ser encarada de forma dicotômica, ao contrário deve ser entendida de forma dialética, em ambos os projetos temos coisas positivas e coisas ruins, porém é fundamental explicitar o que aponta para privilegiar interesses pessoais e privatistas e os que apontam para interesses coletivos. Certamente prefiro errar, se for o caso, com os que querem construir interesses coletivos. Podemos continuar o debate pessoalmente. Saudações grevistas.

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    • Cara Eblin, grato por esclarecer o conteúdo de sua fala na assembleia. De fato, estava barulhento e você falou em seguida de uma colega que dizia que alguns professores não querem greve por serem financiados. Isso pode ter criado o contexto do mal entendimento. De qualquer forma, precisaríamos, sim, aprofundar este debate sobre a produtividade acadêmica e os projetos de universidade. Concordo que é preciso aumentar o número de bolsas de produção acadêmica. Contudo, não creio que todos os professores na universidade alcançam produção acadêmica suficiente para receber as bolsas de produtividade e fomento segundo os critérios do CNPq e outras agências. Não se trata de capacidade ou incapacidade intelectual, tenho pleno acordo com você, mas do tipo de envolvimento, tempo e esforço dedicados à produção acadêmica, tal como esta é hierarquizada no campo científico. Os critérios de concessão de apoios, sim, são objetos de disputa. Precisamos participar e cobrar cada vez mais transparência das agências de fomento. Sobre os projetos de universidade, tenho a impressão que estes não são apenas de dois tipos. Aliás, muito poucas coisas na vida são isso ou aquilo, acredito. Espero que reencontremos a oportunidade e a calma necessárias para conversarmos numa AG ou em outros espaços da vida universitária. Abraços!

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