Às vésperas de completarem 10 meses da tragédia no Morro do Bumba, em Niterói, Marcelo Freixo, que preside a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Alerj, visitou nesta quinta-feira (24/2) o 3º BI, em São Gonçalo, onde se encontram 380 pessoas vitimadas pelas chuvas. O que os parlamentares membros da Comissão puderam constatar foi o total descaso e abandono por parte do poder público: esgoto a céu aberto, comida terceirizada inadequada, crianças sem creches, instalações precárias e banheiros sem condições humanas de uso. Um relatório sobre a visita será entregue a diversas esferas do poder público. Leia na íntegra pronunciamento de Freixo sobre a visita.
“Eu estava preparado para me pronunciar hoje, mais uma vez, sobre a crise da Segurança Pública – e o primeiro ponto é que entendo que há uma crise, ao contrário de outros, que perguntam: que crise? –, mas abordarei outro tema em função de uma visita que a Comissão de Direitos Humanos realizou hoje. Eu e os Deputados Janio Mendes e Robson Leite fomos hoje ao 3º BI, onde os desabrigados de Niterói se encontram.
Por que fizemos essa visita? Porque a Comissão de Direitos Humanos foi demandada para isso. O mais interessante é que fizemos grandes debates nesta Casa sobre as tragédias da Região Serrana, com muita razão. O problema é que no Rio de Janeiro uma tragédia apaga a outra e nós vamos provocando um processo de amnésia que tem graves consequências sociais.
Completa dez meses agora a tragédia de abril em Niterói, no Morro do Bumba, que nós tanto comentamos aqui no ano passado. Ninguém fala mais nisso porque, é óbvio, a tragédia da Região Serrana nos ocupa e nós esquecemos a outra. Em Niterói, a situação não tem sequer algum encaminhamento de solução.
Nós visitamos hoje o 3º BI e constatamos algumas coisas gravíssimas. Estamos produzindo um relatório que vai ser entregue a todos os membros da comissão, à Presidência desta Casa – os deputados que tiverem interesse podem, evidentemente, solicitá-lo. São 380 pessoas naqueles abrigos, esgoto a céu aberto, uma comida de uma empresa terceirizada. Hoje, olhando a comida – só podemos falar do dia de hoje –, sinceramente, percebemos que para qualquer pessoa com algum problema de saúde, diabetes, por exemplo, aquilo não era um cardápio, era um atestado de óbito.
As condições são absurdas. Há lá uma piscina desativada, com água parada. A medida tomada pela Vigilância Sanitária foi jogar dentro da piscina – eu não estou brincando, é sério – um sapo e alguns peixes. A medida técnica tomada foi jogar um sapo e alguns peixes na piscina desativada do Estado, porque aquilo pertence agora ao Estado – era federal e passou ao Governo do Estado.
Várias crianças ainda não estão estudando. Havia uma escola lá dentro que não mais funciona e não há encaminhamento para que essas crianças hoje estudem. São mais de 100 crianças que ainda não começaram seu ano letivo e tiveram muitos problemas no ano passado.
O aluguel social de 400 reais – já é difícil as pessoas reconstruírem suas vidas com esse valor – é pago de forma completamente irregular. Várias parcelas não foram pagas, atrasam, não têm dia certo. Se esse dinheiro é utilizado para pagar aluguel, é fundamental que o poder público pague com regularidade e no dia correto, senão, as pessoas não cumprem o seu compromisso na casa que elas estão alugando, é óbvio. O que acontece é que vários dos moradores que dependem do aluguel social não pagam o seu novo aluguel e, com isso, estão sendo despejados. A consequência disso é que eles voltam para áreas de risco que até hoje não receberam uma visita de um engenheiro, de um geógrafo. Até hoje não houve qualquer visita do poder público àquelas áreas atingidas em Niterói.
Aquelas vozes dentro do Batalhão eram vozes de desespero. As pessoas foram transferidas para outro município – eram todos de Niterói – e as crianças que no ano passado recebiam RioCard que só dava direito a duas passagens; como elas foram transferidas para um Batalhão que fica em São Gonçalo, elas não conseguiam mais pegar apenas dois ônibus; tinham que pegar quatro, e o RioCard não cobria mais.
Então, o que acontece é que boa parte desses alunos só podia assistir à metade das aulas do mês. Para a outra metade não há dinheiro de passagem. Tiveram o ano letivo passado comprometido e este ano mais uma vez. E a justificativa para que este ano a escola que funcionava lá dentro fosse fechada é que novos desabrigados do 4º Gecam foram para o 3º BI. Mas o curioso é que os abrigados do 4º Gecam foram para o 3º BI porque foram despejados pela própria Prefeitura, que agora diz que não pode manter a escola porque recebeu mais gente.
Ora, é um nível de cinismo inaceitável. Essas pessoas não estão ali pedindo favor. Aquilo ali não é uma casa de custódia. Essas pessoas não estão cumprindo pena. Essas pessoas não cometeram crime. Essas pessoas são vítimas da falta do poder público de uma cidade. Não podem ser tratadas dessa maneira. O Poder Legislativo tem responsabilidade sobre isso.
A acho que as áreas atingidas em Niterói em abril do ano passado precisam ser revisitadas porque vários desses moradores voltaram para lá. Não foi feito qualquer trabalho nesses lugares para que hoje as moradias sejam mais seguras.
Meu tempo esgotou e vou concluir. O espaço do 3º BI do 4º Gecam poderia perfeitamente ser utilizado para a construção de casas populares, de moradia para essas pessoas, e não essas pessoas serem abandonadas ali, como estão. Essa é uma questão fundamental, é uma violação dos direitos humanos cometida pelo Poder Público e esta Casa não pode aceitar. A renovação do aluguel social precisa ser feita. O governo do Estado tem responsabilidade sobre isso também, na sua relação com a prefeitura. Não foi renovado esse contrato, para o pagamento do aluguel social, desde janeiro. Isso precisa ser visto e o governo do Estado também tem o seu papel nessa história.
Muito obrigado. Está feito o registro”.
Marcelo Freixo (pronunciamento em plenário – ALERJ – 24/02)
http://www.marcelofreixo.com.br/site/noticias_do.php?codigo=168
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