E se a Dilma resolvesse “mandar flores ao Delegado” no próximo debate?


                                                                                          Paulo Carrano

Professor da Universidade Federal Fluminense

Ted Boy Marino, astro do Telecatch, desfere golpe em oponente em luta nos anos 60.

A campanha eleitoral se transformou em vale tudo, briga de rua, Telecatch. Aliás este último parece definir mais o conjunto da obra. Para os mais recentemente chegados ao mundo, o Telecatch foi um programa de televisão criado na extinta TV Excelsior do Rio de Janeiro, o canal 2, que exibia luta-livre e, que, como bem definiram na Wikipédia, era um programa que combinava encenação teatral, combate e circo. É triste ver que o espetáculo dos debates encontra reforço mas também vida própria nas redes sociais com peças publicitárias de “desconstrução” de candidatos produzidos. Nisso as duas candidaturas desse segundo turno de 2014 se especializaram. Não digo apenas dos debates mas também nas redes de intriga e xingamentos mútuos da internet. Entre robôs programados do Aécio e blogueiros “progressistas” teleguiados da Dilma, perderemos todos.

Ainda assim, voto em Dilma para não aprofundarmos a desigualdade neste país e não nos reencontrarmos com o passado das privatizações e entrega das chaves do país às elites econômicas.

Pelo que está dito nos jornais de hoje as coordenações de campanha das duas candidaturas, seguindo orientações dos feiticeiros do marketing eleitoral,  insistirão em produzir o espetáculo de agressões pessoais que escarafuncham o passado de cada um dos oponentes e renunciam ao bom debate de ideias e propostas para o país. E a orientação é seguir com a rinha ao rés-do-chão mesmo após os resultados de sondagens que apontam que o eleitor comum já está com náuseas do cheiro ruim que emana dos debates. A representação é a do nivelamento por baixo: “são todos iguais”, “político é tudo a mesma coisa”, “é o roto falando do esfarrapado”, “o sujo do mal lavado”…. Tudo e mais um pouco se pode dizer desta elite do marketing eleitoral que é remunerada a peso de ouro para produzir agradáveis imagens e não necessariamente disseminar propostas e ideias que possam ampliar a reflexividade dos eleitores. Mas, verdade seja dita, não há ingênuos no mercado dos marqueteiros.  Trata-se, assim, do esforço de construir imagens de desconstrução do adversário aumentando a rejeição da outra candidatura. O risco é calculado, portanto. Em alguma medida, esta sempre é uma operação arriscada. Pode-se errar a mão na agressividade dos ataques e perder votos. Parece não ser decisivo que indecisos se tornem desinteressados desde que isso aumente a rejeição daquele ou daquela que se quer desconstruir.

Seria esta a única opção para os candidatos neste segundo turno? Me parece que não. A conduta perante os debates e também a orientação que se dá aos militantes é resultado de escolhas políticas e não de uma fatalidade, do tipo: “não tem jeito, quem não bate apanha”; ou mesmo como já foi dito por personagem político de triste memória: “Bateu? Levou!”.

Como diria o Zeca Baleiro em seu “Telegrama”, eu estava triste, tristinho. Mas me ocorreu que as coisas poderiam ser diferentes. E se a Dilma resolvesse levar flores ao delegado? Ou seja, se no lugar de aceitar jogar o jogo da truculência e da denúncia mudasse o tom, a forma e o conteúdo e, talvez, o rumo dos acontecimentos alterando o clima pesado desta eleição que já vasa das redes para as ruas com agressões verbais e físicas dos que ousam escolher votar no “inimigo”? Sempre penso que, ganhe quem ganhar, haverá um dia seguinte e o país precisará recuperar a capacidade de diálogo que se perdeu nesta eleição de 2014. Vizinhos de prédio e rua se defrontarão com a necessária urbanidade de dar bom dia e boa noite ao 13 ou ao 45. De existir com, de resolver conflitos sem que isso represente a negação do outro; de coexistir, enfim.

E assim, neste meu inocente desejo de mudança de rota neste segundo turno, imaginei a possibilidade de Dilma iniciar o próximo debate da seguinte maneira:

– Candidato, boa noite! Espero que o senhor tenha tido uma boa semana com tempo e disposição para pensar em nossas responsabilidades de candidato e candidata. Candidato, nossos verbos, e adjetivos, estão envenenando a atmosfera política do nosso querido Brasil. Assim como nossos marqueteiros fizeram, também fui conversar com o povo. Fui, contudo, candidato, escutar gentes com sentimentos e não números agregando opiniões difusas. E ouvi da gente simples deste país que eles e elas já se cansaram de nossas picuinhas. Não busquei os mais ricos, candidato, porque não quis parecer invasiva na busca de seus principais eleitores. O povo me disse, candidato, que está mais interessado em saber se as emergências dos hospitais, as escolas públicas, o transporte público, os índices de violência e tantas outras coisas importantes para as famílias, em especial as mais pobres, estarão melhores daqui a quatro anos. Se as conquistas sociais que tivemos serão preservadas e como iremos seguir avançado diante da crise econômica que deve vir por aí. Candidato, o povo não é bobo. Eles não são economistas mas sabem que vem crise aí. Teve um carioca gaiato que me disse que a crise econômica no Brasil vai pingar antes da água em São Paulo.

– E o povo, candidato, quer saber o que faremos para que a vaca, mesmo que tussa, não vá para o brejo. Candidato, essas conversas me tocaram. E o que mais me chateou, candidato, é que eu tenho propostas que não estou conseguindo apresentar porque estou muito ocupada apontando o dedo para o seu nariz. Candidato, o senhor viu que passei mal no último debate. A minha assessoria disse que foi porque fiquei muito tempo sem comer. Até fiz uma brincadeirinha estudada mirando o povo e dizendo que preciso comer mais feijãozinho com arroz; foi uma dica de um dos marqueteiros da minha campanha. Mas, candidato, não fui sincera. O problema não era tanto no estômago, mas na alma. No fundo, candidato, acho mesmo que aquele mal passamento foi devido a algum tipo de desencontro de mim comigo mesma, candidato. Esta eleição me levou para um lugar que eu não conhecia, para uma luta que nunca lutei, utilizei argumentos que nunca utilizei na disputa política. E olha que não sou necessariamente uma pessoa light na discussão política. Mas, candidato, dessa vez fiz diferente do que sou; quase desfaleci porque me desconheci naquele debate do SBT. Candidato, não tenho garantias sobre o que o senhor fará no debate desta noite. Mas, uma das coisas que ouvi daquelas gentes simples com as quais conversei é que, em bom minerês, “quando um nunqué dois num briga”. Então, candidato, prepara-se para discutir o Brasil! Fale o que falar, hoje, o senhor vai encontrar a Dilma “coração valente” que quer pensar o Brasil; a Dilma que não foge da luta mas não briga na lama.

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4 comentários

  1. Caro professor, ótimo texto. Seus apontamentos são importantes, mas, angustiados pelo que vêm por aí, com razão.

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    • Caro Jhonatta, você definiu bem. Estava, sim, angustiado (como sou filho de uma paraibana, diria agoniado) e por isso escrevi para colocar ordem nas ideias e me liberar para pensar noutras coisas. Grato pela visita e comentário!

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  2. Parabéns, pelo texto, Carrano. Pena que esse tipo de amistosidade não será utilizada nos próximos debates, até mesmo porque as últimas pesquisas apontam crescimento de Dilma e diminuição da sua rejeição. Mas o Brasil precisa de fato combater a polarização, o ódio político-ideológico e pensar em propostas que nos ajude a enfrentar os problemas que estão por vir. Sendo assim, acredito que o PT aponta numa direção mais inclusiva e distributiva do que o PSDB.

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    • Marcelo, tenho certeza que o que escrevi não é nenhuma novidade para a campanha da Dilma. Ocorre que a tática da desconstrução é a curto prazo mais produtiva. Ela está demonstrando que produz votos. E é com isso que se ganha eleição. A campanha do Aécio Neves trabalha com a mesma lógica. Com a vantagem de parecer possuir eleitores mais sinceramente vocacionados para o ódio, no caso contra a Dilma e o PT. Contudo, esta linha de desconstrução agressiva do adversário pode ter um efeito bastante negativo não apenas para a governabilidade mas também para a convivência pública. Mal comparando, é algo como as drogas que atletas utilizam para melhorar o desempenho. Funciona no curto prazo, mas seu uso continuado é reconhecidamente nocivo. E sem falar da dimensão ética disso tudo, não é mesmo? Grato pelo seu comentário! Abraços, Carrano

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